Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
Lembranças de
meu Pai.
Hoje me lembrei de meu pai. Afinal
é seu dia. Que Deus o tenha. Tivemos poucas chances de nos conhecermos melhor.
Mas ele se foi e conversamos pouco. Caladão circunspecto me olhava de um jeito
especial. Sei que não foi o melhor pai do mundo, mas foi o meu pai. Ensinou-me
a ser educado, obediente, cumpridor dos meus deveres em qualquer tempo ou
lugar. Fazia questão de dizer que meu direito terminava onde começava o do
outro. Tinha apenas o quarto ano primário. Não fora doutor. Um sapateiro, um
fazedor de selas para cavalo e depois o técnico de conserto de TV. Se ele fosse
vivo eu poderia dizer que ele copiou as palavras do Dalai Lama a dizer aos seus
discípulos: - Viva uma vida boa e honrada. Assim, quando você ficar mais Velho
e pensar no passado, poderá obter prazer uma segunda vez.
Meu pai foi um homem do
seu tempo. Fazia questão da honra, exigia muito dos filhos quando se pensava em
caráter. A palavra para ele era tudo. Era daqueles que dizia que o fio do
bigode valia mais que uma assinatura. – O homem que não tem palavra não pode
ser considerado homem dizia sempre. Não foi um pai severo, nada disto, nunca o
vi levantando a mão para qualquer filho. Bastava seu olhar e todos obedeciam
sem pestanejar. Errado seu estilo? – Hoje quem sabe muitos poderiam condenar
sua maneira de agir e interpretar diferente da educação moderna que muitos
alardeiam como a melhor.
Meu pai não foi Escoteiro. Não
teve oportunidade. Levou-me a pescar, a dormir em grutas, a subir em árvores e
me ensinou a engraxar, a costurar uma botina e muitas coisas do seu saber que
hoje nem existe mais. Meu pai acredito que foi único, quando pedi para fazer
uma jornada de 48 horas com outro Escoteiro e mais ninguém ele pensou e
balançou a cabeça dizendo: - Pode ir, confio em você! Nem me perguntou o que
era uma jornada de primeira classe. Primeira Classe? Risos. Um pensador antigo
dizia que de nada valeria o que vivi, se meu passado não estivesse tão presente
em meu futuro. De nada valeria dizer que eu trocaria todos os meus amanhãs por
um único ontem. Ah! Meu pai. Viveu lá no passado e dele fez sua vida. Ao seu
modo acho que ele foi feliz apesar de não sorrir muito.
Meu pai se estivesse no mundo de
hoje se sentiria como extraterrestre. Ele e muitos outros de sua raça iriam se
assustar com a nova tecnologia. Um pensador e poeta escreveu que o passado é
uma percepção do que aconteceu. Já o futuro como ainda não é lembrança, não
precisa fazer nenhum sentido. Sinceramente pouco foi ao grupo escoteiro ou em
algumas atividades escoteiras como visitante. Mas era um eterno admirador do
que o escotismo tinha em mente. Ele dizia que o caráter de um homem não muda. Muda-se
sim uma interpretação do que foi e do que é.
Outro
dia li um artigo da educadora Adriana Friedmann, que contou sua tese de
doutorado desenvolvida no âmbito da antropologia da infância. Seu principal
foco foi dar voz às crianças a partir de expressões verbais e não verbais,
fazendo incursões nos universos infantis, no sentido de escutá-las, conhecer
sua cultura, sua realidade, suas angustias, seus interesses e necessidades. Sua
linguagem seu pensamento não é mais o que pensamos do método Escoteiro no seu
verdadeiro sentido. Ela escreveu dizendo que não podia de maneira nenhuma achar
que sua época era única. Eu acredito. Sei que os jovens de hoje também irão
dizer que sua época era a única.
Darcy Ribeiro comentou que o presente,
passado e futuro não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se
construindo e destruindo. O que vai ficando para trás como o passado é a morte.
O que está vivo vai adiante. Quando leio isto penso que se meu pai estivesse
aqui hoje tenho certeza estaria deslocado no tempo. Acredito mesmo que ele não
teria sido Escoteiro. Ele teria duvidas se o que dizem pelos escaninhos
escoteiros é real. Meu pai não aceitaria isto. Se alguém dissesse a ele que era
ultrapassado, que usar bobagens de roupas que não dizem nada, que métodos que
foram ontem não são mais e de uma maneira jocosa, sensacionalista, querendo
atrair sobre si sinais de competência ele não daria atenção.
Ele nunca iria me dizer que os resultados são
os mais importantes e o método é um mero caminho para se chegar lá. Se o
presente forja homens e mulheres que podemos nos orgulhar temos que aplaudir.
Como dizia o poeta à leitura de todos os bons livros é uma conversação com as
mais honestas pessoas dos séculos passados. O passado de cada um é o que
determinou o seu futuro.
Meu pai não está mais aqui. Eu seu
descendente estou. Agora um Velho Chefe Escoteiro ultrapassado. Um Velho que se
orgulha do pai que teve. Um pai que mesmo não sendo escoteiro acreditava na fraternidade,
no respeito, principalmente com os mais velhos, coisa que hoje não se leva tão
a sério. Sou um filho perdido no tempo. Um Velho de calças curtas, de chapelão,
um Velho que faz questão do respeito do garbo e que se orgulha do seu passado.
Meu pai não fez curso escoteiro, não acampou nas mais altas montanhas, não foi
ao pico dos Marins para ver se um menino sonhador desapareceu para nunca mais
voltar. Meu pai se estivesse aqui saberia onde iria pisar e entender que o
futuro não é incerto é uma realidade.
Se meu pai estivesse aqui
ao meu lado ele iria olhar para mim e repetir as palavras de Richard Back: - “Quase todos nós
percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para o outro, que era
praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viemos, não nos preocupando
para onde íamos, vivendo o momento presente.”. Mas meu pai nunca iria aceitar a
maneira desatenciosa, mal educada, mistura de pessoas sem formação que acham
que suas palavras são as melhores. Ele iria ficar calado e sair sem responder.
Ele era assim. Eu penso diferente, como Goethe, direi que o que passou, passou,
mas o que passou luzindo resplandecerá para sempre! Não importa o passado ou o
presente importa sim se os resultados são alcançados. O resto é historia da
Carochinha para boi dormir!
Nossa! Que falta que meu pai me faz!