terça-feira, 19 de setembro de 2017

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Cobras&escorpiões... E o escambal!


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Cobras&escorpiões... E o escambal!

                Ontem cochilando em frente à TV, fui despertado por um programa sobre cobras. Mostraram a Jararaca e a Surucucu pico-de-jaca. Disseram que elas estão incluídas nas mais venenosas do Brasil e que mais de 35.000 pessoas são mordidas por ano. Não sei se mostraram a Coral verdadeira e a Cascavel estas são lindas, mas também são um perigo. Interessante que disseram ser a Surucucu a mais venenosa do continente americano e uma das maiores do mundo. Beleza. Voltei a cochilar na poltrona e embalado em fluidos mágicos, dei asas a minha imaginação e fui parar quando subindo o pico do Ibituruna, morto de cansado, nosso Balu mandou parar para ver e aprender com uma enorme surucucu atravessada na trilha da subida.

                Quando entrei para os lobinhos tinha quase sete anos. Já tinha visto cobras, pois do outro lado da linha do trem da Vale do Rio Doce onde morava, tinha um descampado de capim colonião com muitas cobras. Mas foi meu Balu que me iniciou no aprendizado de conhecê-las melhor. Até hoje não sei por que ele se denominou Balu. Não havia Akelá apesar de ele dizer que o Chefe Zé Amâncio era o Akelá. Nunca o vi em quase quatro anos de alcateia a não ser nos desfiles. O Balu era negro, magro, quando sorria era um desastre. (veja foto anexa). Faltava dois dentes na frente. Mas a gente adorava ele. Dificilmente ficávamos na sede. Ele nos dava a mochila, uma meia lona de barraca e lá íamos nós estrada a fora aprender com a natureza.

                 Ele era bom nisto. Quando passei para os escoteiros já sabia armar barraca de olhos fechados, fazer um fogão de barro, tripé e era mestre no Caçador, estrela, refletor e trincheira. Ele nos ensinou mais de vinte nós, ensinou a orientar pelo sol, lua e estrelas. Criamos na alcateia nossos sinais de pista que só os lobinhos conheciam. Andávamos longe. Meu pai e minha mãe assim como os pais dos outros lobos confiavam nele. Olhe, para ser sincero não sei se os formadores de hoje o deixariam passar em um curso de lobinho. Seu estilo, sua figura e sua maneira de falar era demais para um mineiro matuto. Mas quer saber? Eu daria a ele a Insígnia de Madeira de lobos e escoteiros de olhos fechados.

                Éramos vinte e dois lobos e quase todos passaram para a tropa de escoteiros. Isto ainda existe? Ele conhecia um pouco da Jângal, nos contava pequenas histórias de Mowgly (mais inventadas) sabia a dança da chuva, da Kaa e outras que não me lembro. Para ser admitido na alcateia tinha de decorar a lei do lobinho e a promessa. Não sabíamos que existia lobinho Cruzeiro do sul, mas conhecíamos as especialidades a primeira e a segunda estrela. As mães bordavam todos os distintivos. Certificados? Necas. Só fui ouvir falar quando passei para os seniores. Uma época que você confiava no escoteiro que portava um distintivo qualquer principalmente a especialidade.

                 Pois é, Sempre quando íamos fazer jornadas dormíamos na sede e as quatro da matina a lobada partia. Fila? Não meu amigo, o Mor na frente e o Primo mais antigo atrás. Mor? Sim, ainda existia na alcateia como o Guia na tropa. Foi na trilha da subida do pico do Ibituruna, lá pelas oito da manhã que o Balu mandou parar ao sinal do Mor. Disse para nos aproximarmos a ele sem fazer barulho. Mostrou-nos atravessada na estrada uma enorme Surucucu pico-de-jaca, seu rabo curto, a forma da cabeça e seus olhos. – Só disse para prestamos atenção, pois ali estava a mais perigosa cobra brasileira.

                 Fizemos barulho e ela fugiu para o mato. Partimos sem medo. Agora saberíamos reconhecer uma verdadeira Pico-de Jaca. Ele sempre nos disse que ao andar no mato fazer barulho. Isto espanta: - Lobos! Ele dizia a cobra só ataca quando atacada. Fora isto ele corre. Pois é, sempre mesmo quando sênior bater o bastão nos troncos das árvores, no capim e no chão. Conheci muitas cascavéis, jararaca e uma coral que nunca soube se verdadeira ou não era mestre em dormir na nossa barraca quando acampávamos na Fazenda do Capitão Raul.

                 Não acreditam? A gente chegava armava a barraca ia dormir e ao acordar lá estava ela enroscada em um canto da barraca. Fizemos amizade. Se ela gostava de dormir lá que dormisse. Ficamos mestres em reconhecer os escorpiões mais perigosos e onde eles seriam encontrando no campo, nos bosques ou matas. Cuidado com o amarelo e o preto mesmo sabendo que o amarelo é mais venenoso dizia. Nosso Balu repetia que a picada do amarelo dói muito e pode matar em poucas horas. Quando passei para os escoteiros vi que os meus novos amigos eram bambas em animais peçonhentos. A verdade é que nos meus setenta anos de escotismo tive a sorte de Deus nos proteger. Nunca vi alguém ser mordido.

                Naquela época ninguém tinha medo. Mamãe e papai não vinham nos dizer para tomar cuidado. Sei que hoje muitos pais não deixam os filhos entrar nos lobos e ou escoteiros por medo de cobras e escorpiões. Sinceramente? Morre-se mais por atropelamento do que por mordida venenosa. Mas não tiro a razão deles. É preciso ensinar o menino desde lobo a aprender a se defender. As histórias contadas de chupar o veneno, cortar em cruz para fazer uma sangria, mastigar fumo e jogar em cima e outras tais como faca quente na brasa em cima da mordida pode ajudar, mas nem sempre resolve. Só o soro antiofídico tem valor.

                Houve uma época que o Chefe Jessé nos contou que o Instituto Butantã trocava cobras por soro. Mandavam-nos até as caixas próprias. Pegar as bichinhas era fácil o difícil era convencer o Chefe da estação a despachar as caixas com cobras. Elas iam de trem até Belo Horizonte e de lá a São Paulo. Cinco dias de viagem. Vão morrer de fome ele dizia. Por alguns anos enviávamos e recebíamos o soro. Sem geladeira ele se perdia logo. Doávamos ao Hospital da Dona Zulmira.


               É... Cobras, escorpiões marimbondos e abelhas. Coisas que devemos fugir. Mas quem pode? Escoteiro que é escoteiro não corre! Enfrenta! É mesmo? Hoje? Sei não, cada um deve saber onde o calo aperta! Sempre Alerta.

Nota de rodapé: - Na TV vi um comentarista dizer que mais de 35.000 pessoas são mordidas de cobra no Brasil. Tudo isto? Pensei que isto não mais existia. Lembrei-me dos meus tempos de lobo e escoteiro quando comecei a conhecer as amiguinhas. Alguns tem medo outros adoram. E você? Deixe aqui seu comentário, medroso ou não. Risos.