Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
Cobras&escorpiões...
E o escambal!
Ontem cochilando em frente à TV, fui
despertado por um programa sobre cobras. Mostraram a Jararaca e a Surucucu
pico-de-jaca. Disseram que elas estão incluídas nas mais venenosas do Brasil e
que mais de 35.000 pessoas são mordidas por ano. Não sei se mostraram a Coral
verdadeira e a Cascavel estas são lindas, mas também são um perigo. Interessante
que disseram ser a Surucucu a mais venenosa do continente americano e uma das
maiores do mundo. Beleza. Voltei a cochilar na poltrona e embalado em fluidos
mágicos, dei asas a minha imaginação e fui parar quando subindo o pico do Ibituruna,
morto de cansado, nosso Balu mandou parar para ver e aprender com uma enorme
surucucu atravessada na trilha da subida.
Quando entrei para os lobinhos
tinha quase sete anos. Já tinha visto cobras, pois do outro lado da linha do
trem da Vale do Rio Doce onde morava, tinha um descampado de capim colonião com
muitas cobras. Mas foi meu Balu que me iniciou no aprendizado de conhecê-las
melhor. Até hoje não sei por que ele se denominou Balu. Não havia Akelá apesar de
ele dizer que o Chefe Zé Amâncio era o Akelá. Nunca o vi em quase quatro anos
de alcateia a não ser nos desfiles. O Balu era negro, magro, quando sorria era
um desastre. (veja foto anexa). Faltava dois dentes na frente. Mas a gente
adorava ele. Dificilmente ficávamos na sede. Ele nos dava a mochila, uma meia
lona de barraca e lá íamos nós estrada a fora aprender com a natureza.
Ele era bom nisto. Quando passei
para os escoteiros já sabia armar barraca de olhos fechados, fazer um fogão de
barro, tripé e era mestre no Caçador, estrela, refletor e trincheira. Ele nos
ensinou mais de vinte nós, ensinou a orientar pelo sol, lua e estrelas. Criamos
na alcateia nossos sinais de pista que só os lobinhos conheciam. Andávamos
longe. Meu pai e minha mãe assim como os pais dos outros lobos confiavam nele.
Olhe, para ser sincero não sei se os formadores de hoje o deixariam passar em
um curso de lobinho. Seu estilo, sua figura e sua maneira de falar era demais
para um mineiro matuto. Mas quer saber? Eu daria a ele a Insígnia de Madeira de
lobos e escoteiros de olhos fechados.
Éramos vinte e dois lobos e quase todos
passaram para a tropa de escoteiros. Isto ainda existe? Ele conhecia um pouco da
Jângal, nos contava pequenas histórias de Mowgly (mais inventadas) sabia a
dança da chuva, da Kaa e outras que não me lembro. Para ser admitido na alcateia
tinha de decorar a lei do lobinho e a promessa. Não sabíamos que existia
lobinho Cruzeiro do sul, mas conhecíamos as especialidades a primeira e a
segunda estrela. As mães bordavam todos os distintivos. Certificados? Necas. Só
fui ouvir falar quando passei para os seniores. Uma época que você confiava no
escoteiro que portava um distintivo qualquer principalmente a especialidade.
Pois é, Sempre quando íamos fazer
jornadas dormíamos na sede e as quatro da matina a lobada partia. Fila? Não meu
amigo, o Mor na frente e o Primo mais antigo atrás. Mor? Sim, ainda existia na
alcateia como o Guia na tropa. Foi na trilha da subida do pico do Ibituruna, lá
pelas oito da manhã que o Balu mandou parar ao sinal do Mor. Disse para nos
aproximarmos a ele sem fazer barulho. Mostrou-nos atravessada na estrada uma enorme
Surucucu pico-de-jaca, seu rabo curto, a forma da cabeça e seus olhos. – Só disse
para prestamos atenção, pois ali estava a mais perigosa cobra brasileira.
Fizemos barulho e ela fugiu
para o mato. Partimos sem medo. Agora saberíamos reconhecer uma verdadeira Pico-de
Jaca. Ele sempre nos disse que ao andar no mato fazer barulho. Isto espanta: -
Lobos! Ele dizia a cobra só ataca quando atacada. Fora isto ele corre. Pois é,
sempre mesmo quando sênior bater o bastão nos troncos das árvores, no capim e
no chão. Conheci muitas cascavéis, jararaca e uma coral que nunca soube se
verdadeira ou não era mestre em dormir na nossa barraca quando acampávamos na
Fazenda do Capitão Raul.
Não acreditam? A
gente chegava armava a barraca ia dormir e ao acordar lá estava ela enroscada
em um canto da barraca. Fizemos amizade. Se ela gostava de dormir lá que
dormisse. Ficamos mestres em reconhecer os escorpiões mais perigosos e onde
eles seriam encontrando no campo, nos bosques ou matas. Cuidado com o amarelo e
o preto mesmo sabendo que o amarelo é mais venenoso dizia. Nosso Balu repetia
que a picada do amarelo dói muito e pode matar em poucas horas. Quando passei
para os escoteiros vi que os meus novos amigos eram bambas em animais peçonhentos.
A verdade é que nos meus setenta anos de escotismo tive a sorte de Deus nos
proteger. Nunca vi alguém ser mordido.
Naquela época ninguém tinha medo. Mamãe e
papai não vinham nos dizer para tomar cuidado. Sei que hoje muitos pais não
deixam os filhos entrar nos lobos e ou escoteiros por medo de cobras e escorpiões.
Sinceramente? Morre-se mais por atropelamento do que por mordida venenosa. Mas
não tiro a razão deles. É preciso ensinar o menino desde lobo a aprender a se
defender. As histórias contadas de chupar o veneno, cortar em cruz para fazer
uma sangria, mastigar fumo e jogar em cima e outras tais como faca quente na brasa
em cima da mordida pode ajudar, mas nem sempre resolve. Só o soro antiofídico tem
valor.
Houve uma época que o Chefe Jessé
nos contou que o Instituto Butantã trocava cobras por soro. Mandavam-nos até as
caixas próprias. Pegar as bichinhas era fácil o difícil era convencer o Chefe da
estação a despachar as caixas com cobras. Elas iam de trem até Belo Horizonte e
de lá a São Paulo. Cinco dias de viagem. Vão morrer de fome ele dizia. Por
alguns anos enviávamos e recebíamos o soro. Sem geladeira ele se perdia logo.
Doávamos ao Hospital da Dona Zulmira.
É... Cobras, escorpiões marimbondos
e abelhas. Coisas que devemos fugir. Mas quem pode? Escoteiro que é escoteiro
não corre! Enfrenta! É mesmo? Hoje? Sei não, cada um deve saber onde o calo
aperta! Sempre Alerta.
Nota de rodapé: - Na TV vi um comentarista dizer que
mais de 35.000 pessoas são mordidas de cobra no Brasil. Tudo isto? Pensei que
isto não mais existia. Lembrei-me dos meus tempos de lobo e escoteiro quando
comecei a conhecer as amiguinhas. Alguns tem medo outros adoram. E você? Deixe aqui
seu comentário, medroso ou não. Risos.