segunda-feira, 13 de abril de 2020

Uma historia para pensar. Ficção ou realidade?




Uma historia para pensar.
Ficção ou realidade?


... – Dizem que eu floreio muito meus contos. Dizem que nem sempre o que digo é realidade. Pode ser, mas sou franco, o escotismo foi criado para ajudar a juventude mais pobre de Londres e hoje no Brasil para ser um escoteiro tem que ter condições financeiras adequadas se não nunca será. Quem me contestem a minha verdade.

- Zé das Quantas tem 45 anos. Mora em Brejo Seco uma pequena cidade fictícia em algum estado brasileiro. Zé das Quantas é pedreiro e carroceiro. Cidade pequena muitas vezes ele fica semanas sem trabalho. Ganha pouco e sua esposa Maria ajuda fazendo alguma faxina a pedido das damas da cidade. Zé das Quantas tem poucos sonhos e sabe que sua realidade não vai mudar. Além de sua família seu segundo amor é o Escotismo. Diz seu escotismo, mas no seu intimo sabe que não é dono de nada. Já viu outros chefes dizerem meu Escoteiro, meu Lobinho, meu monitor e meu grupo. Ele não, o Grupo e o escotismo são de todos. Para ele o Movimento Escoteiro pertence a Deus e aos jovens. Ele sabe que está ali para servir, ouvir, orientar e fazer dos meninos e meninas pessoas que se pode confiar para que tenham a formação desejada e conviver em sociedade. Foi assim que aprendeu quando menino escoteiro e lendo Baden-Powell o Fundador. O Grupo Escoteiro tem oito anos de atividade e ele recebe pouca ajuda da população. Zé das Quantas é iletrado, um mero carroceiro que muitos julgam ilusório seu papel de educador. Alguns até mesmo preferiam que tivessem uma organização de guardinhas bem mais interessantes para a cidade.

Zé das Quantas um dia recebeu um oficio. Registrado assinou a correspondência que dizia: - A Escoteiros do Brasil vem informar que este grupo está atuando ilegalmente, fora dos padrões e normas do Escotismo Brasileiro. Para evitar problemas maiores sugerimos entrar em contato conosco, pois Grupos Escoteiros e Regiões Escoteiras só podem ser reconhecidos e autorizados a funcionar se cumprirem as disposições contidas no Estatuto e demais regulamentações da EB. – Ele sorriu, já sabia disto, mas desistiu, pois não tinha como pagar o registro, vestuário, distintivos e taxas e nunca poderiam estar presentes nas solenidades pomposas que anualmente realizavam. Ele sabia dos isentos, aqueles que não podem pagar, mas as exigências além de humilhantes eram difíceis de realizar. Desistiu quando deu início ao Grupo Escoteiro e foi pedir uma Autorização Provisória. Achou que seus jovens nunca teriam condição de atender a tantas formalidades. Veio um segundo ofício, desta vez ameaçavam abrir um processo legal nos tribunais.

Zé das Quantas não soube o que fazer. Havia dois meses que não conseguia nenhum pedido de areia ou transporte e estava sem nenhum tostão. Maria conseguia as duras penas colocar arroz e feijão na mesa e não sobrava nada. Decidiram pelo uniforme caqui, mais barato, que muitas mães podiam confeccionar. Era um uniforme durável, que podia passar de pai para filho e muitos que mudavam da cidade doavam para os mais humildes. Tinha orgulho em ver todos uniformizados, com garbo não importando se estava desbotado. Se tivessem filiado a Escoteiros do Brasil teriam que fazer uma Assembleia do Grupo, com todos os presentes inclusive os jovens e votar para escolher o que iriam usar. Assembleia? Poucos pais compareciam, chefes era só ele. Quando fizeram o tal vestuário ele e seus meninos nunca foram consultados. E o preço? Não era o que sempre pensou quando adotou a filosofia escoteira que nem sabia explicar. Ele não se preocupou. Não ligou. Continuou fazendo seu escotismo como gostava e com o velho saber de seu líder Baden-Powell.

- Mosquito tinha doze anos. Sonhava. E como sonhava. Era considerado a mascote do Grupo Escoteiro e recebeu o apelido carinhoso de Escoteirinho de Brejo Seco. Sua avó era cega, recebia do Bolsa Família um dinheirinho que dava para comer arroz e farinha. Algumas vezes feijão. Ganhou seu uniforme de Pedrinho quando passou para os seniores. Pequeno não podia trabalhar. Várias vezes sonhou em ir a um Jamboree. Quando soube da taxa chorou. Nunca poderei ir pensou. Soube que o Grupo da Cidade vizinha tinha ido. Encontrou com Antonio Mauro o filho do comendador. Falou maravilhas. Mosquito queria sentir inveja, mas não sentiu. Sabia que faziam belos acampamentos, belas aventuras e isto não tinha preço. Lagrimas correram quando o Chefe Zé das Quantas leu o comunicado da EB. – Chefe, vamos lutar aqui ninguém vai fechar o grupo. Nós não vamos deixar. Afinal não vai ter golpe!

Uma tarde eles receberam uma visita. Um homem alto bem vestimentado com camisa fora da calça sorriso nos lábios se apresentando como Advogado da EB. Abraçou todo mundo e prometeu ajudar. Pediu que o apresentasse ao prefeito, ao presidente da Câmara dos Vereadores, ele iria dizer a que veio. Ele sabia que aquele Chefe não tinha as condições exigidas para liderar. Zé das Quantas se assustou. Quando o prefeito iria recebê-lo? Nunca. O Argelino da Câmara? Sempre bêbado e nem sabia o que dizia. Tentou explicar e nada. O Advogado partiu e disse que nada poderia fazer. Ele iria receber uma intimação do processo que iriam abrir. – Melhor Zé é fechar seu grupo. Vai evitar dissabores e gasto que vocês não podem fazer. Zé das Quantas abraçado com Maria suspirava. – Mulher, eu amo você, mas amo o Grupo Escoteiro. O que fazer? Não entendo de processo, de leis só entendo do amor que criei entre a meninada e a fraternidade existente entre eles.

 Bem a história termina por aqui. Sei que floreei muito. Criei sentimentos, criei interpretações às vezes dúbias quem sabe falei demais. Desculpem mas dizem que sou um escritor de araque e nem sei dar um sabor as minhas narrativas. Sou culpado por ser sentimental demais. Mas isto é uma quimera? Nunca existiu tal fato? Quem acompanhou várias associações e também alguns chefes ameaçadores em alguma cidade do nosso país, sabe que aconteceu e ainda acontece. A Escoteiros do Brasil atualmente calada não explica as sentenças judiciais que perde uma atrás da outra. Gastou centenas de milhares nesses processos e ainda está sujeita a pagar indenizações vultosas aos que não se sentiram satisfeitos por serem acusados nos tribunais. Penso o dia que estes processos chegarão ao Supremo Tribunal Federal. Televisado para todo Brasil. Belo exemplo de lideres escoteiros que se esqueceram do seu principal artigo da lei: - O Escoteiro é irmão de todos e irmão dos demais escoteiros. Zé das Quantas não vai ver ele mal sabe o que significa a sigla STF Supremo Tribunal Federal. Seu escotismo continua puro conforme sempre acreditou.

Esquecem os donos do poder que precisamos de um marketing perfeito para mostrar o que somos. Atitudes como estas não dignificam a nenhuma associação que preza uma Lei e uma promessa nos conformes do fundador Robert Baden-Powell. Zé das Quantas nem sabe o que é um processo e quem vai pagar as custas de tudo. De uma coisa eu sei, Zé das Quantas e o Escoteirinho de Brejo Seco estarão por aí a escoteirar, fazendo escotismo de qualidade nas montanhas, florestas do Brasil.