Crônicas
de um Velho Chefe Escoteiro.
Reme
sua própria canoa.
Tem
hora que da vontade de largar tudo, voltar para o paraíso, virar pescador e
viver da terra, teria muito menos de decepções. (P.H.M.)
Não posso ficar
sempre criticando. Mas danadamente eu sou um Velho Escoteiro chato insistente.
Passei por poucas e boas em minha vida escoteira e agora entregar os pontos não
vai dar. Não vai mesmo. Ainda bem que no escotismo todos são mocinhos. Todos
estão imbuídos nas melhores das intenções. Dizem por aí que de boas intenções o
inferno está cheio. Sem quer ofender e ferir susceptibilidades, não sei se o
caminho percorrido até hoje é o certo. Eu sempre acreditei com um escotismo
forte, com princípios éticos e reconhecidos pela sociedade brasileira. Muitos
não sabem se percorremos o caminho para o sucesso. O escotismo tem seu método e
ficar inventando podemos pagar um alto preço com esta tal modernidade.
Modernidade? Ora, afinal BP não dizia que devemos remar nossa própria canoa? –
Porque então não deixar o jovem com seu remo e ele mesmo ir aprendendo com a
nossa orientação?
Eu sei que tem
muita gente falando sobre os caminhos para o sucesso do escotismo. Percebe-se
que a maioria não passou por isto e nem sabe onde esta experiência nova vai dar,
apesar de afirmarem o contrário. Um antigo Chefe meu dizia que os que não sabem
fazer a massa nunca irão fazer o pão. São estudiosos, doutores, pedagogos,
pensadores e se consideram aptos a fazer suas experiências modernas com um
escotismo que tem tudo para dar certo. Muitos concordam com os atos dos nossos
dirigentes e uma submissão omissa não os deixa ver onde estamos caminhando. Já
vi alguns dizendo que nos dias de hoje não precisamos de bússola, aprender a
seguir as estrelas, o sol, as árvores se existem o GPS. Semáforas? Morse, nós e
sinais de pista? Basta usar o celular e o Google e está resolvido. B-P nunca
negou que precisaríamos acompanhar as mudanças do tempo, mas nunca perder a característica
da vida ao ar livre, do aprender a fazer fazendo e de seguir seu próprio
caminho.
Ele reforçou dizendo que somente pelo
resultado e não pelo método que se julga a instrução. Uma abertura que poucos
entenderam. Não basta ter jovens disciplinados obedientes, mas sem
personalidade e nem força de caráter, sem espírito de inciativa ou de aventura.
Jovens incapazes de se “virarem”. Dizia isto naquela época sem os milagres da
metodologia moderna de hoje. Completava dizendo que os tempos “modernos” tais
como o crescimento das cidades, fábricas, rodovias e
linhas telefônicas, e de tudo aquilo que chamamos “civilização” a natureza ficou
mais afastada das pessoas. Suas belezas e seus milagres se tornam estranhos as
nossas afinidades pessoais com a criação divina e se perdem na vida
materialista das multidões, com suas deprimentes condições entre as espantosas
construções erguidas pelo homem. A natureza vem sendo expulsa e é substituída
pela artificial e graças à tecnologia, as nossas pernas acabarão pôr
atrofiarem-se pôr falta de exercícios e os nossos filhos terão cérebros
maiores, mas sem músculos. Sem atividades
mateiras e de campo tudo vai se perder com o tempo.
Uma vez resolvi fazer uma
canoa. Risos. Isto mesmo. Ganhei um tronco de mais ou menos quatro metros por
uns 400 mm de circunferência. Falei com meu pai do meu plano. Meu pai conhecia
o Zé do Dedo, um carpinteiro bem conhecido na cidade. Disse para eu pedir a ele
a me ensinar. Zé do Dedo não pensou duas vezes. Ensinou-me a descascar a
madeira, como tratar e conservar, mantê-la seca e arejada se possível
mergulhada na água. Mostrou as vantagens da proteção do sol, não deixar o
tronco em contato com o solo enquanto trabalha. Fiquei sabendo que o tronco era
um Cedro. Perfeito para uma canoa. Eu tinha uma machadinha, meu pai me deu um
Enxó, uma Goiva e um serrote. Zé do Dedo me emprestou um machado e um traçador.
Claro que para usá-lo precisaria de mais pessoas. A Patrulha não se fez de
rogada e durante três meses ficaram ao meu lado. Não foi fácil. Voltava da
escola e por duas ou três horas trabalhávamos na canoa. Sempre com a supervisão
do Zé do Dedo.
Seis meses depois a canoa
ficou pronta. Pesada, eu mal aguentava levantar sua lateral. Devo dizer que a
canoa na visão de um bom construtor era feia, desajeitada, e em qualquer
corredeira iria virar o contrário e afundar. Quando ficou pronta a levamos para
o rio. Um amigo do meu pai tinha um carroção. Eu meu pai e minha Patrulha a colocamos
no carroção. Na beira do rio usamos madeira tipo escada rolante até o rio. Boiou!
Fiquei super alegre. Dei pulos para o ar. Vamos testar. Zé do Dedo aconselhou
ir só dois. Meus remos eram pesados e em pouco tempo não aguentávamos mais
remar. Levei a canoa até próximo ao Curtume do Moacir. Conhecia o vigia. Ele se
prontificou a tomar conta. A canoa serviu para muita coisa. Não era a melhor
canoa do mundo nunca foi. Mas até hoje eu não esqueço o que fiz. Durou pouco
tempo. Uma enchente e ela sumiu. Não me tornei um carpinteiro e nem fabricante
de canoas, mas adquiri experiência, calos, dores nas omoplatas, mas valeu!
Aprendi a fazer fazendo!
Escoteiros adoram desafios. É
no campo que eles têm estas oportunidades. Nada pode substituir uma boa
atividade escoteira. O modernismo oferecido hoje aos jovens é encontrado
facilmente na rotina da sua casa, na escola e com seus amigos. Aprender fazendo
é uma arte. Ser seu próprio mentor e construtor complementa. Um dia todos os
jovens irão viver suas vidas longe do domínio dos pais. O escotismo os ensina a
vivenciar isto. Difícil afirmar onde começa o caminho da modernidade e o
caminho para o sucesso. Acredito que ambos se complementam. A vida aventureira,
o ato de descobrir novos horizontes, experimentar a vida ao ar livre como os
bandeirantes do passado é fascinante. Nenhum jovem perdeu seus sonhos de serem
heróis. Proibir isto é desfaçatez e esquecer a formação escoteira conforme o
método de B-P. Esta foi e sempre será a motivação para continuar no escotismo. Alguns
estão tratando nossos jovens como bonecos de louça. Medo disto, medo daquilo.
Ele está sendo proibido de pensar e os adultos estão pensando por eles. Decidem
por eles. Esqueceram sua posição de orientador. Muitos pais não entendem bem
isto. Desafio faz parte do jovem, deixe-o seguir com os outros esta seria sua
grande aventura.
Nunca esqueci minha canoa. Meu
pai foi meu instrutor e dos bons, não deixou que eu desistisse. – Se você
começou termine! Dizia. Foi uma lição que agradeço ao meu pai. O escotismo me
ensinou que desafios são para aqueles que irão até o fim. Hoje os resultados são
outros. Qualquer um pode ver isto dentro de sua própria comunidade. Somos uns
eternos desconhecidos e dizer que a culpa é só dos chefes é hipocrisia. Nossa
direção peca por não dar melhores condições aos nossos voluntários. Não temos
marketing, somos desconhecidos nos meios educacionais. Ninguem em sã
consciência pode fugir ao escotismo de campo. Barracas suspensas, pontes,
pórticos e jovens partindo para suas grandes aventuras de exploração da
natureza ainda são os melhores meios para a formação na metodologia escoteira.
O que hoje os modernistas escoteiros estão sugerindo não está dando resultados.
Só não vê quem não quer.