quinta-feira, 12 de maio de 2016

Reme sua própria canoa.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Reme sua própria canoa.
Tem hora que da vontade de largar tudo, voltar para o paraíso, virar pescador e viver da terra, teria muito menos de decepções. (P.H.M.)

             Não posso ficar sempre criticando. Mas danadamente eu sou um Velho Escoteiro chato insistente. Passei por poucas e boas em minha vida escoteira e agora entregar os pontos não vai dar. Não vai mesmo. Ainda bem que no escotismo todos são mocinhos. Todos estão imbuídos nas melhores das intenções. Dizem por aí que de boas intenções o inferno está cheio. Sem quer ofender e ferir susceptibilidades, não sei se o caminho percorrido até hoje é o certo. Eu sempre acreditei com um escotismo forte, com princípios éticos e reconhecidos pela sociedade brasileira. Muitos não sabem se percorremos o caminho para o sucesso. O escotismo tem seu método e ficar inventando podemos pagar um alto preço com esta tal modernidade. Modernidade? Ora, afinal BP não dizia que devemos remar nossa própria canoa? – Porque então não deixar o jovem com seu remo e ele mesmo ir aprendendo com a nossa orientação?

                 Eu sei que tem muita gente falando sobre os caminhos para o sucesso do escotismo. Percebe-se que a maioria não passou por isto e nem sabe onde esta experiência nova vai dar, apesar de afirmarem o contrário. Um antigo Chefe meu dizia que os que não sabem fazer a massa nunca irão fazer o pão. São estudiosos, doutores, pedagogos, pensadores e se consideram aptos a fazer suas experiências modernas com um escotismo que tem tudo para dar certo. Muitos concordam com os atos dos nossos dirigentes e uma submissão omissa não os deixa ver onde estamos caminhando. Já vi alguns dizendo que nos dias de hoje não precisamos de bússola, aprender a seguir as estrelas, o sol, as árvores se existem o GPS. Semáforas? Morse, nós e sinais de pista? Basta usar o celular e o Google e está resolvido. B-P nunca negou que precisaríamos acompanhar as mudanças do tempo, mas nunca perder a característica da vida ao ar livre, do aprender a fazer fazendo e de seguir seu próprio caminho.

               Ele reforçou dizendo que somente pelo resultado e não pelo método que se julga a instrução. Uma abertura que poucos entenderam. Não basta ter jovens disciplinados obedientes, mas sem personalidade e nem força de caráter, sem espírito de inciativa ou de aventura. Jovens incapazes de se “virarem”. Dizia isto naquela época sem os milagres da metodologia moderna de hoje. Completava dizendo que os tempos “modernos” tais como o crescimento das cidades, fábricas, rodovias e linhas telefônicas, e de tudo aquilo que chamamos “civilização” a natureza ficou mais afastada das pessoas. Suas belezas e seus milagres se tornam estranhos as nossas afinidades pessoais com a criação divina e se perdem na vida materialista das multidões, com suas deprimentes condições entre as espantosas construções erguidas pelo homem. A natureza vem sendo expulsa e é substituída pela artificial e graças à tecnologia, as nossas pernas acabarão pôr atrofiarem-se pôr falta de exercícios e os nossos filhos terão cérebros maiores, mas sem músculos.  Sem atividades mateiras e de campo tudo vai se perder com o tempo.

                   Uma vez resolvi fazer uma canoa. Risos. Isto mesmo. Ganhei um tronco de mais ou menos quatro metros por uns 400 mm de circunferência. Falei com meu pai do meu plano. Meu pai conhecia o Zé do Dedo, um carpinteiro bem conhecido na cidade. Disse para eu pedir a ele a me ensinar. Zé do Dedo não pensou duas vezes. Ensinou-me a descascar a madeira, como tratar e conservar, mantê-la seca e arejada se possível mergulhada na água. Mostrou as vantagens da proteção do sol, não deixar o tronco em contato com o solo enquanto trabalha. Fiquei sabendo que o tronco era um Cedro. Perfeito para uma canoa. Eu tinha uma machadinha, meu pai me deu um Enxó, uma Goiva e um serrote. Zé do Dedo me emprestou um machado e um traçador. Claro que para usá-lo precisaria de mais pessoas. A Patrulha não se fez de rogada e durante três meses ficaram ao meu lado. Não foi fácil. Voltava da escola e por duas ou três horas trabalhávamos na canoa. Sempre com a supervisão do Zé do Dedo.

                   Seis meses depois a canoa ficou pronta. Pesada, eu mal aguentava levantar sua lateral. Devo dizer que a canoa na visão de um bom construtor era feia, desajeitada, e em qualquer corredeira iria virar o contrário e afundar. Quando ficou pronta a levamos para o rio. Um amigo do meu pai tinha um carroção. Eu meu pai e minha Patrulha a colocamos no carroção. Na beira do rio usamos madeira tipo escada rolante até o rio. Boiou! Fiquei super alegre. Dei pulos para o ar. Vamos testar. Zé do Dedo aconselhou ir só dois. Meus remos eram pesados e em pouco tempo não aguentávamos mais remar. Levei a canoa até próximo ao Curtume do Moacir. Conhecia o vigia. Ele se prontificou a tomar conta. A canoa serviu para muita coisa. Não era a melhor canoa do mundo nunca foi. Mas até hoje eu não esqueço o que fiz. Durou pouco tempo. Uma enchente e ela sumiu. Não me tornei um carpinteiro e nem fabricante de canoas, mas adquiri experiência, calos, dores nas omoplatas, mas valeu! Aprendi a fazer fazendo!

                 Escoteiros adoram desafios. É no campo que eles têm estas oportunidades. Nada pode substituir uma boa atividade escoteira. O modernismo oferecido hoje aos jovens é encontrado facilmente na rotina da sua casa, na escola e com seus amigos. Aprender fazendo é uma arte. Ser seu próprio mentor e construtor complementa. Um dia todos os jovens irão viver suas vidas longe do domínio dos pais. O escotismo os ensina a vivenciar isto. Difícil afirmar onde começa o caminho da modernidade e o caminho para o sucesso. Acredito que ambos se complementam. A vida aventureira, o ato de descobrir novos horizontes, experimentar a vida ao ar livre como os bandeirantes do passado é fascinante. Nenhum jovem perdeu seus sonhos de serem heróis. Proibir isto é desfaçatez e esquecer a formação escoteira conforme o método de B-P. Esta foi e sempre será a motivação para continuar no escotismo. Alguns estão tratando nossos jovens como bonecos de louça. Medo disto, medo daquilo. Ele está sendo proibido de pensar e os adultos estão pensando por eles. Decidem por eles. Esqueceram sua posição de orientador. Muitos pais não entendem bem isto. Desafio faz parte do jovem, deixe-o seguir com os outros esta seria sua grande aventura.


                Nunca esqueci minha canoa. Meu pai foi meu instrutor e dos bons, não deixou que eu desistisse. – Se você começou termine! Dizia. Foi uma lição que agradeço ao meu pai. O escotismo me ensinou que desafios são para aqueles que irão até o fim. Hoje os resultados são outros. Qualquer um pode ver isto dentro de sua própria comunidade. Somos uns eternos desconhecidos e dizer que a culpa é só dos chefes é hipocrisia. Nossa direção peca por não dar melhores condições aos nossos voluntários. Não temos marketing, somos desconhecidos nos meios educacionais. Ninguem em sã consciência pode fugir ao escotismo de campo. Barracas suspensas, pontes, pórticos e jovens partindo para suas grandes aventuras de exploração da natureza ainda são os melhores meios para a formação na metodologia escoteira. O que hoje os modernistas escoteiros estão sugerindo não está dando resultados. Só não vê quem não quer.