quarta-feira, 8 de junho de 2016

O frio chegou para ficar.


Conversa ao pé do fogo.
O frio chegou para ficar.

                      Nada contra o frio. Dependendo a hora e lugar ele é benvindo. Mas hoje com meus 75 anos cheio de “pobremas” o frio me faz mal e muito mal. O homem do Jaleco branco disse que o pulmão não gosta. Eu sei disto. Começo a sentir falta de ar, fraqueza e a tremer como se fosse meu dia de promessa. Encho-me de roupas meias e o escambal. Até ganhei um aquecedor, mas o danado manda a conta de luz nas alturas. Prefiro os acampamentos. Nada que uma boa fogueira não pode resolver. A tarde apareceu um solzinho meio perdido no céu. Corri até o passeio e me refastelei. Fechei os olhos e voltei ao passado a lembrar das minhas andanças mochileiras com meu chapéu de abas largas a enfrentar a poeira o calor e o frio. Celia ao meu lado se assustou. Comecei a dar belas gargalhas. Pequenas nuances surgiram na minha mente em noites de frio escoteirando. Vejamos algumas que lembrei.

- Um acampamento de Tropa e muitos chefes novatos. Eu tinha facilidades em arregimentar pais e eles acreditavam na minha performance escoteira comprando a filosofia com amor. O local um pé de serra, uma mata, uma lagoa e o sol que se escondia às três da tarde nas montanhas. Eu sempre gostei de inventar “patacas” para dar um sabor ao acampamento e a vida mateira. Contei para eles que fazia questão do banho das três e meia da manhã. Era meu conto predileto que muitos acreditavam. Olhavam-me cismados e pensando se era verdade. À tardinha uma névoa sobrevoava a lagoa. As patrulhas em seus campos faziam o jantar. Lá fomos nós uma Tropa de doze chefes para o banho do dia. Era um local onde uma enorme queda d’água trazida por bambus gigantes jorravam uma verdadeira cachoeira. Ao cair levantava nevoas geladas que assustavam qualquer um. A tarde se foi e escurecendo o frio era dos meus velhos conhecidos. Acho que a temperatura já tinha chegado à casa dos dez graus. Mostrei que era o herói e entrei naquela cachoeira gelada. Foi demais. Todos me seguiram reclamando.  

                    Foi então que no retorno disse que haveria outro banho ali às três e meia da manhã. Olharam-me estupefatos. - Vai mesmo Chefe? – Chamo vocês às três e quinze. Tem o ritual do sabão mágico! Um silencio sepulcral. – Chefe, de manhã a temperatura vai estar em dois ou três graus! – E dai? Falei. Acendemos um fogo para uma conversa gostosa, mas ninguém falava nada. Fomos dormir por volta das onze e meia da noite. Ouvia gostosamente eles em duas barracas Bangalô reclamando – Eu não vou! Isto é um absurdo! Se ser Escoteiro é assim acho que isto é coisa de doido! – Outro mais comedido dizia: - Ficará mal para nós com o Chefe. Ele acredita em nós – E assim foi à conversa até que todos dormiram. As três e quinze soltei uma bomba de um tiro que ribombou por toda área onde estávamos. Levantaram espavoridos. – Eu sorrindo, de tanga e toalha nos ombros só disse: - Chegou a hora, vamos todos em fila para nosso banho mágico – Quem foi? Meia dúzia os demais diziam que preferiram sair do escotismo. Dei boas gargalhadas e voltei a dormir.

                   Outra vez foi um curso próximo a Belo Horizonte. Um local durante o dia lindo. Três nascentes que faziam a água borbulhar saindo do chão. Pareciam estar fervendo. Puro engano, mais fria que um picolé de geladeira. Eram 26 alunos. Só uma cidade compareceu com nove. O Distrital um professor universitário me contou que o escotismo abriu seu coração para sempre. No primeiro dia (eram quatro dias de curso) um frio de lascar. De manhã encontrei boa parte em volta de uma fogueira enrolado em seus cobertores – Chefe, tá demais, deste jeito vamos virar gelo do ártico. Mostrei para eles meu fogão reflector – Façam um eu disse e vão dormir só de short! O dia passou. As barracas de nylon eram muito finas. Região pobre ainda sem um bom material de campo. O curso estava sendo divertido, lembro que o Chefe João de Juiz de Fora (padre João) naquele curso não deu um sorriso sequer.

                    Eis que no amanhecer do terceiro dia ao dar o sinal de alvorada vi que somente 14 alunos compareceram para a física. Procuramos os demais barracas vazias. Ronaldo e Blair assistentes do curso disseram que tinha ouvido algum deles sobre desistir. O curso não parou. Mesmo com 14 fomos em frente. Que eu saiba foi o primeiro curso Escoteiro onde os alunos se amotinaram e deixaram o campo de batalha. Encontrei-os novamente dois meses depois em uma Indaba. Cabeça baixa quase choraram ao me dizer: - Chefe, não aguentei. Maldito que sou por desistir. Disse a todos que deveríamos ter feito o fogo reflector e ninguém se interessou. Acharam que dava para aguentar forrando o chão com jornais e às duas da manhã levantei encontrando os demais já arrumados com mochilas nas costas. Parti chorando Chefe. Bati de leve em suas costas. – Acontece meu amigo, acontece. Mas até hoje quando conto esta história dou belas gargalhadas.

                    Tenho muitas histórias de frio em acampamentos e atividades aventureiras. São dezenas. As de chuva são as minhas preferidas. Principalmente quando um raio partia alguma arvore gigante. Adorava ver o barulho dela caindo sobre as outras. Sempre imitava os madeireiros que gritavam: - Madeiraaa! Já passei muito frio. Já tentei uma vez dormir em uma rede que demorei seis meses engraxando para comprar. Sentia-me um herói. A primeira noite um frio de lascar. Sorri e fiz um pequeno fogo do lado direito, não resolveu. Fiz o segundo do lado esquerdo. Não resolveu. Fiz o terceiro nos pés e também não resolveu. Passei boa parte da noite alimentando as fogueiras até que uma chuva temporal desabou. Teimoso fiquei ali na chuva, pois meus companheiros de patrulha me preveniram. – Vado Escoteiro vai esfriar. Não vai aguentar. Sorria para eles como a dizer que não sabiam com quem estava falando. Voltar atrás? Nunca.


                          Enfim, ainda não sabia da frase de Napoleão: - A primeira qualidade de um comandante é cabeça fria para receber uma impressão correta das coisas. Não deve deixar-se confundir quer por boas quer por más notícias. Entre os tempos de sol, de lua e frio gosto de repetir para mim mesmo: É no meio de um inverno que aprendo que dentro de mim sempre existiu um verão inesquecível. Até outro dia, sempre me faz bem se lembrar das dificuldades do passado. Elas nunca são esquecidas. Mas o frio hoje está de lascar!