Quem me rouba a honra priva-me daquilo que não o enriquece e faz-me
verdadeiramente pobre. William
Shakespeare
Palavra de
Escoteiro ou palavra de honra?
“Os dez
artigos da Lei Escoteira”
Estava acampado como sempre fazia
bimensalmente com os monitores e subs da tropa. Nos acampamentos de fins de
semana eu sempre ia para o Sitio do meu amigo Tornelo. – Chefe, fique a
vontade, nem precisa pedir autorização. Boa aguada muitos bambus um local
excelente. Eram quatro subs e quatro monitores. Eles adoravam tais acampamentos.
Eu também, pois tínhamos mais tempo para conversar, aprender fazendo e trocar
ideias. Ouvir adolescentes e suas necessidades eram para mim uma alegria sem
par. Com esta nova rotina a tropa deu um salto em motivação e crescimento. O
dia já estava no fim e a noite chegava mansa. Jantamos um belo bife com arroz
que estava soltinho. Um dos subs era um cozinheiro de mão cheia. Lá pelas nove
eles chegaram de mansinho na porta da minha barraca. Eu tinha feito nos outros
acampamentos dois bancos de troncos grossos que encontrei cortado perto da
lagoa do Jacaré. Cada um foi se assentando e um deles já colocava as batatas no
fogo já aceso. Eu terminara o café e no bule esmaltado já tinha colocado junto
à fogueira pequena com pedras em volta para não espalhar as brasas.
Era uma rotina que todos gostavam de
participar. Ali ficamos conversando até que um Monitor me perguntou – E a
história de hoje Chefe? Sorri de leve. Sempre tinha uma historia para contar. –
Vamos lá eu disse. Hoje iremos falar da Lei Escoteira. Uma patrulha que sempre
achou que a palavra do Escoteiro vale pela sua honra. Mas o que é honra? Melhor
contar a história. Eles se serviram de um biscoito de polvilho e alguns do café
que estava quentinho. Um silencio se fez em volta. Mal dava para ouvir os
grilos e ao longe na lagoa uma sinfonia de sapos cururus se divertiam todas as
noites. – Tudo começou quando a Patrulha Onça Parda estava reunida na casa do
Escoteiro Santos Dumont. Estavam lá o Monitor Rui Barbosa, e mais os Escoteiros
e escoteiras Olavo Bilac, Caio Martins, Anita Garibaldi, Barbara Heliodora e
Joana Angélica. Era uma rotina, pois todas as quartas feiras se reuniam em casa
de algum membro da patrulha. – Chefe!
Interrompeu um Monitor, mas estes nomes são verdadeiros? Olhe que todos eles
fizeram parte da história do Brasil. Bem pensado Antonio. Mas faz parte da
história.
- Bem continuando, depois de
discutido as sugestões que dariam para o programa do segundo semestre, eis que
Anita Garibaldi levantou um assunto – Olhem meus amigos, lembram-se da última
reunião que o Chefe fez um Jogo Escoteiro usando a Lei Escoteira? – Sim,
disseram todos. Mas foi um jogo meio parado disse Olavo Bilac. – Concordo disse
Anita Garibaldi, mas acho que valeu para nós. Afinal somos Escoteiros e o que
significa a Lei Escoteira para um escoteiro? – Uma discussão simpática começou.
Falou Caio Martins, Santos Dumont, Barbara Heliodora e Joana Angélica. Rui
Barbosa o Monitor só observava. Ele sempre se questionou sobre a lei. Cumprir
ou não cumprir? Dizia para si. Fazer o melhor possível? Quem sabe assim era
mais fácil. Foi Santos Dumont que abriu o jogo – Para dizer a verdade eu não
sou muito de cumprir esta lei. Ela existe para nos dar um caminho a seguir.
Cumprir todos seus artigos é impossível, finalizou. – Não sei se concordo disse
Olavo Bilac. Anita Garibaldi não falava nada. Só ouvia. O mesmo fazia Joana
Angélica. Barbara Heliodora não concordou. – Não acho que devemos seguir pela
metade. Se ela existe e nós prometemos um dia fazer o melhor possível não
podemos continuar assim por toda a vida.
Joana Angélica que pouco falava
lançou um desafio – Porque nós que achamos que a Lei é tudo para os Escoteiros,
que falamos em honra em palavra escoteira e em ética escoteira não tentamos por
dez dias cumprir a risca todos os artigos? Quem sabe, prosseguiu, poderíamos
fazer uma espécie de aposta e os que perdessem pagaria para todos uma rodada de
sorvetes na Sorveteria do Paulão? Todos deram opiniões. Foi Rui Barbosa quem
finalizou – Se todos aprovam eu estou de acordo. Lembrem-se que faltar com um
artigo da lei é questão de consciência do próprio membro da patrulha. Para isto
se ele não está preparado para cumprir os dois artigos da Lei que vão reger
este desafio, não vale a pena continuar. Caio Martins entrou na conversa –
Seria o primeiro artigo? O Escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais
que sua própria vida? – Barbara Heliodora emendou – Este mesmo e eu acrescento
o segundo. O Escoteiro é leal. Sem lealdade não existe amor, amizade,
fraternidade e consciência de mostrar que acredita no que faz e sabe que os
outros reconhecem seu Espírito Escoteiro.
Aprovado o desafio, a reunião de
patrulha terminou com um juramento de todos com as mãos entrelaçadas – Prometo
ser leal e dou minha palavra escoteira que se errar direi a todos. – Era uma
quinta, dia 12 de agosto. O desafio iria durar até o dia 22 de agosto. Rui
Barbosa pensativo não sabia se conseguiria cumprir. Olavo Bilac ria baixinho –
Este desafio eu tiro de letra - Caio Martins dizia para si mesmo que se
quisesse vencer teria que caminhar com suas próprias pernas. Santos Dumont
tinha dúvidas se também iria até o final. Anita Garibaldi não tinha dúvidas.
Barbara Heliodora sempre se considerou leal e achava que sempre cumpriu os
artigos da lei. Joana Angélica tinha medo de suas amigas de classe. Falavam
muito palavrão e sempre contavam piadas que iam contra a ética e a honra. Os
dez dias se passaram. Estavam todos reunidos na casa de Joana Angélica. Era a
hora do acerto de contas. Hora que cada um devia dizer se cumpriu ou não a lei
escoteira.
Rui Barbosa deu o exemplo como
Monitor – Não consegui no Sétimo artigo me perdi. Tudo por causa do meu pai.
Encheu-me as paciências de tal maneira que fui indelicado com ele. Pedi
desculpas depois, mas já havia infligido à lei. Joana Angélica riu baixinho e
emendou – Eu também não consegui. O quarto artigo é danado. Amigo de todos?
Isto inclui aqueles que não são Escoteiros. Tive que dar um empurrão na Rebecca
minha prima. Entrou no meu quarto e fez uma bagunça que só vendo. Depois me
arrependi. Afinal ela só tem cinco anos! Caio Martins só falou que cumpriu
todos. Barbara Heliodora pediu desculpas, mas não cumpriu o quinto e o oitavo
artigo. Não fui cortês com minha mãe e quando ela me repreendeu na frente de
todos, eu chorei por dois dias. Nem me lembrei de sorrir. Olavo Bilac disse que
cumpriu sem pestanejar e se precisasse ele ficaria para sempre cumprindo a lei
escoteira. Anita Garibaldi também não conseguiu. Discuti com minha professora,
pois ele me deu oito em história. Merecia um dez. Por último Santos Dumont
disse que cumpriu todos.
Os monitores e subs estavam de
olhos arregalados. Chefe é história verdadeira? Quer saber? Eu não sei se iria
cumprir como muitos fizeram. Não disse sim e não e encerrei a história com
todos tomando sorvete na Sorveteria do Paulão. Empanturraram-se de tanto tomar
sorvete. Um silêncio profundo em volta do fogo. Ninguém disse nada. Uma coruja
piou ao longe. Os sapos pararam de coaxar. O céu ficou escuro e um relâmpago
riscou o ar. – Boa noite meus caros monitores, chequem suas barracas a
intendência, o lenheiro. Vem uma tempestade por ai!
Nenhum
homem tem o dever de ser rico ou grande ou sábio: mas todos têm o dever de
serem honrados.