Conversa ao pé
do fogo.
Uniforme, vestimenta,
para que?
Eu fiz um uniforme caqui. De tergal,
mas me disseram que era de linho. Gastei pouco mais de R$66,00 no pano e R$50,00
para confeccioná-lo. O meu antigo estava bem velhinho e era de tergal também. Faço
questão de usá-lo nas atividades Escoteiras. Dificilmente vocês me verão com a
camisa solta, desleixada, botões desabotoados. Meu lenço faço questão de
colocar como se fosse uma gravata. Sempre bem passado. Meu cinto escoteiro o
limpo uma vez por mês. Meu sapato ou botina engraxo sempre, afinal fui um
engraxate dos bons na minha juventude. Foi engraxando que comprei meu primeiro
uniforme de lobo. Mamãe era costureira e o fez para mim. Ao passar para os Escoteiros
trabalhei demais engraxando na Avenida Rui Barbosa, ou na Rua Peçanha. Seu Abil
das casas Abil era amigo dos Escoteiros e deixava-me fazer ponto ali com minha
caixa de engraxate. Eu sabia que meu pai não poderia comprar para mim nada que
precisasse. Ele era seleiro, fazia arreios de cavalos e algumas botinas
mexicanas. O que ganhava mal dava para comermos.
Mas voltando ao uniforme que
eu aprendi a amar. Hoje vejo muitos reclamando que tudo está caro. Está mesmo e
eu sei disto. Mas meus amigos e minhas amigas trabalhando depois da escola eu
comprei meu uniforme, meu chapéu (ufa! Este demorou um ano!) meu cinto, meu
meião e meu Vulcabrás. Um sapato que durava muitos anos. Comprei também meu
cantil de um francês que morava na Rua Sete de Setembro. Me vendeu barato.
Custei muito para comprar meu canivete Suíço. Não aqueles de múltiplas escolhas,
era simples, mas bom demais. Está comigo até hoje. Comprei minha faca Mundial e
minha machadinha. Tinha um apito que paguei barato ao Senhor Nonô Chefe da
estação de trem. Fazia questão de estar bem uniformizado sempre. O meião sempre
nos trinques sem dobras erradas e com as estrias perfeitas. Não importa onde.
Andava por cidades e cidades próximas ou não, de bicicleta ou a pé, mas sempre
com o uniforme bem postado. A patrulha fazia questão de estar bem apresentada.
Excursões enormes não importava o sol. Não se tirava o uniforme para nada.
Calor? Trinta quarenta era gostoso demais.
Aos poucos fui crescendo,
ficou mais fácil adquirir peças e trocar de uniforme. Quando em 1974 saiu o
Uniforme Social (depois chamado de não sei o que – risos) Quando foi instituído
todos receberam um pedacinho do pano da calça e camisa com desenho anexo pelo
correio. Camisa azul clara, calça cinza chumbo. Saiu assim no POR: Para uso
exclusivo em atividades sociais. Em atividade com a tropa permanece o caqui
curto. Bem não sei se era bem assim. Mas com o tempo o tal social virou uma bagunça.
Era calça tipo jeans calça de qualquer cor, camisa até que bem feita, mas a
liberdade começou a dar lugar à anarquia na apresentação pessoal. Os chapéus e
bonés de todos os tipos apareceram. Sempre diziam que o Chapelão é caro e não
existe mais. Será? O uniforme degringolou. Diziam que precisava vestir assim,
pois nem todos poderiam comprar. E eu não pude? Bem meu exemplo não serve. Hoje
tudo é mais fácil. Lembro que no grupo existia uma quantia para “EMPRESTAR” aos
Escoteiros e lobinhos em gastos especiais. Eles deveriam pagar de pouquinho em
pouquinho o que usassem. Nunca usei um centavo!
Era orgulho ver como éramos
no passado. Os que usavam o caqui eram mais bem uniformizados que os demais. O
tempo foi passando a bagunça aumentando. Aí ouvi falar que a UEB iria fazer um
novo tipo de uniforme para todo mundo ficar igual. Bem pensado eu pensei. Mas
qual o que, enfiou goela abaixo dos seus associados sem pesquisa, sem saber se
iriam gostar ou não a tal Vestimenta. Dizem que são mais de quinze tipos. Você pode
escolher o que quiser. Grupos em vez de se uniformizarem por igual abriram mão
de escolha. Em uma sessão tem jovens de calça curta, calça comprida, sendo
menina pode escolher a saia, camisa para dentro da calça para fora e os bolsos!
Deus do céu, que bolsos! Dá para levar uma jamanta nele! “Mais maió de grande
tamanhusso e biteleza” como diz o mineiro. (sou um deles, risos). Logo a
maioria votou para decidir o que usar. Quem comprou o cinza se danou. Um prazo
foi dado para substituição. Por uma questão de dignidade deixaram o caqui
continuar. Chefes antes da escolha ou votação no grupo já fizeram sua
vestimenta. Falar o que? O preço? Sei lá. Dizem que é barato e outros que é
caro.
Agora tudo está mudando.
Tudo moderno. Um alto dirigente já aparece com chapéu de boiadeiro. Faça a idéia
de quantos vão copiá-lo. Não dizem que o Chefe é exemplo? Mas cá prá nós. Para
que gastar tanto? Para que? Agora é só colocar um lenço no pescoço, amarrar as
pontinhas e pronto! Você está a Escoteira sem dúvida. Muitos países fazem o mesmo.
A meninada e a moçada sorrindo! Ainda bem que a modernidade é barata. A maioria
dos grupos dão o lenço quando da promessa. Assim não gasta nada não é mesmo? Eu
juro pela lua que está no céu, eu juro pela sombra que me acompanha, eu juro
por tudo que já vi neste mundo que nem sei mais o que dizer. Errado sou eu é
claro. Ainda não aprendi que os tempos são outros. “belle époque”. O que antes
era e hoje não é mais. Tenho que aceitar. Sou um Velho Escoteiro cheio de
manias. Ainda bem que não estarei aqui para ver o que vai ser daqui a dez,
vinte ou trinta anos. Mas o povo vai assimilar. Afinal Escoteiro e Escoteira sempre
gritam alto “Sempre Alerta” apesar de que tem alguns que dizem SAPS! (Deus me
livre!).
Finalizando agora é
tudo mais barato. Ganhou seu lenço? Amarre em você passado em volta do pescoço
e juntando as pontas. Você agora está “A Escoteira”. Bem apresentado. Aí eu
fico pensando para que serve o uniforme ou a tal vestimenta? Comprou? É melhor
guardar. Quem sabe um dia vai ter utilidade. Enquanto isto mostre seu orgulho
só com o lenço, mas eu lhe peço um favor, faça pelo menos diariamente uma boa
ação. Com uniforme, com vestimenta com lenço, pelado ou não. Pelo menos isto.
Deixe a velhinha em paz se ela não quiser atravessar a rua. Tem muitas boas
ações para fazer que não obrigá-la a atravessar. Eu admiro ainda alguns países que fazem
questão de estar bem apresentados, seja que uniforme for. Verde, amarelo azul
caqui ou cinza. Quanto tempo eles serão assim eu não sei. Enquanto isto eu faço
questão de estar uniformizado e bem uniformizado. Se me verem diferente não sou
eu. É o espírito do Zé Be Deu!
Meu uniforme é meu
orgulho. Amo demais são mais de 66 anos com ele. Pena, meu azul do lobo também
desaparece no tempo. Os bolsos gigantes o substituirão. Quantas mudanças, mas
dizem os nossos lideres que foram para melhor. Agora teremos sim mais Escoteiros,
vamos crescer como nunca, a filosofia Escoteira será outra. Seremos mais
irmãos, a fraternidade uma realidade. E finalmente, veremos meninos e meninas
de todas as idades, aprendendo com seus chefes, seus lideres que o Escoteiro é
puro no seu pensamento na sua palavra e na sua ação! Que a lei Escoteira está
presente no dia a dia de cada um. Quem viver verá!