Conversa ao pé do fogo.
As primeiras Escoteiras no mundo.
Tudo aconteceu no final do
1º Rally de Escoteiros, a 4 de Setembro de 1909, no Crystal Palace em Londres.
A certa altura Baden-Powell vislumbrou um grupo de moças, fardadas como os escoteiros.
Perguntou-lhes então “Quem são vocês e o que estão fazendo aqui?”, ao que a
chefe da patrulha respondeu “Nós somos a Patrulha Lobo das ‘Escoteiras’ e
queremos fazer Escotismo como os rapazes!”. Este pequeno grupo representava
cerca de 6000 moças e meninas que se haviam registrado como Escoteiros e obtido
os seus uniformes usando apenas as iniciais dos seus primeiros nomes. Nessa
altura a possibilidade da existência de “Escoteiras” (Girl Scouts) recebeu
enormes críticas. Mas, mesmo assim, Baden-Powell resolveu formar um movimento
exclusivamente feminino, com uma identidade diferente do Escotismo, vocacionado
para o desenvolvimento das meninas e liderado por mulheres. A essas meninas deu
o nome de Guias (Girl Guides ou Bandeirantes no Brasil).
Juntamente com
a sua irmã Agnes, B-P publicou na Scout Headquarters Gazette, em Novembro de
1909, o esquema para as Guias sobre a forma de dois panfletos: o Panfleto A e o
Panfleto B. O Panfleto A chamava-se Guias de Baden-Powell: uma sugestão para o
treino do caráter de moças (Pamphlet A - Baden-Powell Girl Guides, a Suggestion
for Character Training for Girls) e tinha informações sobre como começar o
movimento e uma lista de especialidades. O Panfleto B continha mais informações
sobre o programa Guidista. Entre outras coisas dizia que as patrulhas de Guias
deveriam ter nomes de flores (o que não foi lá muito bem aceite pelas patrulhas
de guias já existentes que tinham nomes de animais) e que as mais de 6000 moças
registadas como “escoteiros temporários” deveriam passar a chamar-se Guias – “moças
que sabem o caminho e o mostram aos outros”.
Em 1910, Agnes
Baden-Powell e algumas suas amigas formaram uma comissão para organizar as
Guias, com Agnes como Presidente, tendo as primeiras Guias sido registadas em
Maio de 1910. Nessa altura apareceram cerca de 8000 moças, necessariamente com
mais de 11 anos. Uns meses mais tarde, em Novembro, registaram-se as primeiras
Companhias. Em 1912 foi publicado o livro Como podem as meninas ajudar a
construir o Império (How girls can help build the Empire) escrito por BP e pela
sua irmã, que foi o primeiro manual das Guias. Dois anos mais tarde, em 1914
apareceram as Rosebuds (Botões de Rosa), mais tarde denominadas Brownies, que
tinham entre 7 e 11 anos.
Em 1918, Olave Baden-Powell
tornou-se a responsável pelo movimento Guidista na Grã-Bretanha e no mesmo ano
B-P publica o livro Guidismo, para substituir o livro que ele e a sua irmã
haviam escrito em 1912. Quando foram criadas, as Guias usavam pesados uniformes
azuis marinhos e mochilas brancas e eram muitas vezes perseguidas por meninos
de rua. Nada, porém as desanimava. Como se costuma dizer para caracterizar uma
Guia “Turn to right, keep straight on” (vira para o lado certo e continua em
frente). E foi isso que essas meninas resolveram fazer. Algum tempo depois do Rally
em Crystal Palace, Marguerite de Beaumont, chefe da patrulha com quem
Baden-Powell esteve, foi a casa deste, em Londres, falar com ele. Entre outras
coisas, B-P discursou sobre os tempos que passou na Índia e disse-lhe que
estava à procura de um nome para as “escoteiras”, visto que pretendia criar um
movimento distinto do escotismo, adequado às meninas e pensado para estas. Então,
a certa altura, depois de falar do Corpo de Guias da Índia disse “Esses homens
chamavam-se Guias e é isso que eu vos vou chamar a vocês. Vocês acham que
conseguem viver como eles e seguir as suas tradições?”. E foi assim que surgiu
o nome Guias.
O Corpo de Guias era o
mais famoso regimento do Exército Indiano durante o regime Britânico e operava
na fronteira NE da Índia. Os seus homens faziam perigosas expedições para
repelir as incursões de tribos hostis e tanto combatiam a pé, como a cavalo e
na montanha. Faziam também trabalho de pioneirismo e construção de pontes, eram
extremamente ágeis e resistentes e estavam prontos a partir a todo o instante
para manter a paz no país. Tinham reputação de serem bravos soldados e muito eficientes.
Este Corpo foi criado em Peshawar pelo Tenente Harry Lumsden em Dezembro de
1846, juntando uma unidade de cavalaria e duas de infantaria num total de 300
homens, talvez inspirado pelos Guias de elite de Napoleão. Como ofereciam um
salário mais elevado do que o normal houve muitos interessados em ingressar no
regimento e Lumsden pode escolher os mais inteligentes e bravos entre os elementos de Infantaria do Corpo de Guias.
Entre outras coisas,
Lumdsen tinha também a liberdade de escolher os uniformes do seu Corpo como
quisesse. Como a cor púrpura dos uniformes justos do exército britânico não se
adequava nem ao clima nem ao seu trabalho na fronteira ele decidiu comprar todo
o algodão branco que conseguiu encontrar na sua região e levou-o para o rio
onde ele foi embebido e impregnado com lama. Desta forma ele inventou o caqui,
cor hoje amplamente utilizada, por exemplo, na camisa e calça do uniforme de
vários países do mundo onde se pratica o escotismo. Apesar do Corpo de Guias ter
sido o que motivou Baden-Powell a dar o nome de Guias ao seu movimento
feminino, existe também outra referência a este nome que terá influenciado BP
na sua decisão. Na Europa, o termo Guias estava também associado aos
montanheses suíços que guiavam e continuam a guiar os turistas em perigosas
ascensões, muito conhecidos pela sua intrepidez, habilidade a vencer
obstáculos, resistência e companheirismo. No entanto, são pessoas a quem não
interessa andar por caminhos já calcados, querem antes o perigo e a aventura e
sentem-se felizes quando conseguem superar as adversidades e atingir o cume da
montanha que desejam conquistar.
Baden-Powell disse no seu
livro Guidismo: “Pois bem, penso que esse é o caso da maioria das nossas
jovens. Não desejam ficar inativas. Não querem que tudo seja fácil. Não
pretendem simplesmente atravessar a planície; preferem tornar-se pessoas
ativas, com as quais se possa contar, diligentes e prontas a sacrificarem-se
sempre que necessário, como os Guias da fronteira NE da Índia. Ambicionam
também transpor obstáculos na vida, enfrentar as montanhas, os aborrecimentos e
os perigos e, para vencê-los, preparam-se para se tornarem valentes e hábeis.
Querem ainda ajudar os outros nos momentos difíceis e só quando atingem esse
objetivo se sentem realmente vitoriosas e felizes. É uma grande satisfação para
elas o terem realizado a sua tarefa e ajudado as outras a realizar as suas.”.
Na década de oitenta a UEB
fez realizar diversas reuniões com a Federação das Bandeirantes do Brasil
visando uma unificação entre as duas associações. Eu estive presente nesta
comissão e infelizmente não se chegou a um consenso. Um ano mais tarde foi
implantado as primeiras alcatéias e tropas femininas, com autorização e
assessoramento da UEB. Posteriormente todos os Grupos Escoteiros ficaram
liberados para ter suas sessões femininas. Mais tarde surgiu em alguns grupos o
escotismo misto em tropas e alcateias. Acredito que as Escoteiras vieram trazer
novo alento ao escotismo como um todo. Posteriormente iremos comentar mais
sobre o tema.