quinta-feira, 11 de junho de 2015

As primeiras Escoteiras no mundo.


Conversa ao pé do fogo.
As primeiras Escoteiras no mundo.

                    Tudo aconteceu no final do 1º Rally de Escoteiros, a 4 de Setembro de 1909, no Crystal Palace em Londres. A certa altura Baden-Powell vislumbrou um grupo de moças, fardadas como os escoteiros. Perguntou-lhes então “Quem são vocês e o que estão fazendo aqui?”, ao que a chefe da patrulha respondeu “Nós somos a Patrulha Lobo das ‘Escoteiras’ e queremos fazer Escotismo como os rapazes!”. Este pequeno grupo representava cerca de 6000 moças e meninas que se haviam registrado como Escoteiros e obtido os seus uniformes usando apenas as iniciais dos seus primeiros nomes. Nessa altura a possibilidade da existência de “Escoteiras” (Girl Scouts) recebeu enormes críticas. Mas, mesmo assim, Baden-Powell resolveu formar um movimento exclusivamente feminino, com uma identidade diferente do Escotismo, vocacionado para o desenvolvimento das meninas e liderado por mulheres. A essas meninas deu o nome de Guias (Girl Guides ou Bandeirantes no Brasil).

                                Juntamente com a sua irmã Agnes, B-P publicou na Scout Headquarters Gazette, em Novembro de 1909, o esquema para as Guias sobre a forma de dois panfletos: o Panfleto A e o Panfleto B. O Panfleto A chamava-se Guias de Baden-Powell: uma sugestão para o treino do caráter de moças (Pamphlet A - Baden-Powell Girl Guides, a Suggestion for Character Training for Girls) e tinha informações sobre como começar o movimento e uma lista de especialidades. O Panfleto B continha mais informações sobre o programa Guidista. Entre outras coisas dizia que as patrulhas de Guias deveriam ter nomes de flores (o que não foi lá muito bem aceite pelas patrulhas de guias já existentes que tinham nomes de animais) e que as mais de 6000 moças registadas como “escoteiros temporários” deveriam passar a chamar-se Guias – “moças que sabem o caminho e o mostram aos outros”.

                           Em 1910, Agnes Baden-Powell e algumas suas amigas formaram uma comissão para organizar as Guias, com Agnes como Presidente, tendo as primeiras Guias sido registadas em Maio de 1910. Nessa altura apareceram cerca de 8000 moças, necessariamente com mais de 11 anos. Uns meses mais tarde, em Novembro, registaram-se as primeiras Companhias. Em 1912 foi publicado o livro Como podem as meninas ajudar a construir o Império (How girls can help build the Empire) escrito por BP e pela sua irmã, que foi o primeiro manual das Guias. Dois anos mais tarde, em 1914 apareceram as Rosebuds (Botões de Rosa), mais tarde denominadas Brownies, que tinham entre 7 e 11 anos.

                    Em 1918, Olave Baden-Powell tornou-se a responsável pelo movimento Guidista na Grã-Bretanha e no mesmo ano B-P publica o livro Guidismo, para substituir o livro que ele e a sua irmã haviam escrito em 1912. Quando foram criadas, as Guias usavam pesados uniformes azuis marinhos e mochilas brancas e eram muitas vezes perseguidas por meninos de rua. Nada, porém as desanimava. Como se costuma dizer para caracterizar uma Guia “Turn to right, keep straight on” (vira para o lado certo e continua em frente). E foi isso que essas meninas  resolveram fazer. Algum tempo depois do Rally em Crystal Palace, Marguerite de Beaumont, chefe da patrulha com quem Baden-Powell esteve, foi a casa deste, em Londres, falar com ele. Entre outras coisas, B-P discursou sobre os tempos que passou na Índia e disse-lhe que estava à procura de um nome para as “escoteiras”, visto que pretendia criar um movimento distinto do escotismo, adequado às meninas e pensado para estas. Então, a certa altura, depois de falar do Corpo de Guias da Índia disse “Esses homens chamavam-se Guias e é isso que eu vos vou chamar a vocês. Vocês acham que conseguem viver como eles e seguir as suas tradições?”. E foi assim que surgiu o nome Guias.

                         O Corpo de Guias era o mais famoso regimento do Exército Indiano durante o regime Britânico e operava na fronteira NE da Índia. Os seus homens faziam perigosas expedições para repelir as incursões de tribos hostis e tanto combatiam a pé, como a cavalo e na montanha. Faziam também trabalho de pioneirismo e construção de pontes, eram extremamente ágeis e resistentes e estavam prontos a partir a todo o instante para manter a paz no país. Tinham reputação de serem bravos soldados e muito eficientes. Este Corpo foi criado em Peshawar pelo Tenente Harry Lumsden em Dezembro de 1846, juntando uma unidade de cavalaria e duas de infantaria num total de 300 homens, talvez inspirado pelos Guias de elite de Napoleão. Como ofereciam um salário mais elevado do que o normal houve muitos interessados em ingressar no regimento e Lumsden pode escolher os mais inteligentes e bravos entre os elementos de Infantaria do Corpo de Guias.

                     Entre outras coisas, Lumdsen tinha também a liberdade de escolher os uniformes do seu Corpo como quisesse. Como a cor púrpura dos uniformes justos do exército britânico não se adequava nem ao clima nem ao seu trabalho na fronteira ele decidiu comprar todo o algodão branco que conseguiu encontrar na sua região e levou-o para o rio onde ele foi embebido e impregnado com lama. Desta forma ele inventou o caqui, cor hoje amplamente utilizada, por exemplo, na camisa e calça do uniforme de vários países do mundo onde se pratica o escotismo. Apesar do Corpo de Guias ter sido o que motivou Baden-Powell a dar o nome de Guias ao seu movimento feminino, existe também outra referência a este nome que terá influenciado BP na sua decisão. Na Europa, o termo Guias estava também associado aos montanheses suíços que guiavam e continuam a guiar os turistas em perigosas ascensões, muito conhecidos pela sua intrepidez, habilidade a vencer obstáculos, resistência e companheirismo. No entanto, são pessoas a quem não interessa andar por caminhos já calcados, querem antes o perigo e a aventura e sentem-se felizes quando conseguem superar as adversidades e atingir o cume da montanha que desejam conquistar.

                   Baden-Powell disse no seu livro Guidismo: “Pois bem, penso que esse é o caso da maioria das nossas jovens. Não desejam ficar inativas. Não querem que tudo seja fácil. Não pretendem simplesmente atravessar a planície; preferem tornar-se pessoas ativas, com as quais se possa contar, diligentes e prontas a sacrificarem-se sempre que necessário, como os Guias da fronteira NE da Índia. Ambicionam também transpor obstáculos na vida, enfrentar as montanhas, os aborrecimentos e os perigos e, para vencê-los, preparam-se para se tornarem valentes e hábeis. Querem ainda ajudar os outros nos momentos difíceis e só quando atingem esse objetivo se sentem realmente vitoriosas e felizes. É uma grande satisfação para elas o terem realizado a sua tarefa e ajudado as outras a realizar as suas.”.


                  Na década de oitenta a UEB fez realizar diversas reuniões com a Federação das Bandeirantes do Brasil visando uma unificação entre as duas associações. Eu estive presente nesta comissão e infelizmente não se chegou a um consenso. Um ano mais tarde foi implantado as primeiras alcatéias e tropas femininas, com autorização e assessoramento da UEB. Posteriormente todos os Grupos Escoteiros ficaram liberados para ter suas sessões femininas. Mais tarde surgiu em alguns grupos o escotismo misto em tropas e alcateias. Acredito que as Escoteiras vieram trazer novo alento ao escotismo como um todo. Posteriormente iremos comentar mais sobre o tema.