sexta-feira, 5 de junho de 2015

Reme sua própria canoa.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Reme sua própria canoa.

Tem hora que da vontade de largar tudo, voltar para o paraíso, virar pescador e viver da terra, teria muito menos de decepções. (P.H.M.)

             Passo tempos pensando em me calar. Chega de ser tão crítico. Mas danadamente eu sou um Velho Escoteiro insistente. Passei por poucas e boas e entregar minha velha garrucha ao bandido não vai dar. Não vai mesmo. Não que haja bandidos em nosso meio, nada disto, no escotismo todos são mocinhos. Todos estão imbuídos nas melhores das intenções. Mas olhe, você sabe que de boas intenções o inferno está cheio. Agora, ofender e ferir susceptibilidades sei que não é correto. Aqueles que me seguem sabem que minha luta é para um escotismo forte, cujos princípios éticos deviam ser reconhecidos pela sociedade brasileira. Não tem jeito, a cada semana sempre tem uns poucos a querer me mostrar o verdadeiro caminho do sucesso. Só que acho que eles ainda não sabem qual sucesso pretendem chegar. Cada um tem sua maneira de pensar. Muitos fazem questão de dizer que temos que pagar o preço da modernidade. Pagar? Modernidade? Ora, afinal BP não dizia que devemos remar nossa própria canoa? O exemplo maior é a falta de crescimento, é a evasão bandida que assola nosso meio. É a falta de credibilidade por parte da sociedade brasileira como um todo.

                 Quer saber uma verdade? Tem muita gente falando sobre os caminhos do escotismo e a gente percebe que eles não têm nenhuma experiência no tema. Como dizem os antigos escoteiros, nunca fizeram a massa e assim nunca irão fazer o pão. São estudiosos, doutores, pedagogos, pensadores e leem muito e assim vão acreditando que os novos tempos devem ser adaptados e muitos defendem os atos dos nossos dirigentes e acreditam mesmo que eles estão acertando. Já vi alguns dizendo que nos dias de hoje não precisamos de bússola. Para que aprender a seguir as estrelas, o sol, as árvores se existem o GPS? Semáforas? Morse, nós Escoteiros? Sinais de Pista? Para que isto se o celular e o Google mostram aonde ir? Lembro-me de BP que sempre escrevia sobre o movimento, dizendo que ele precisava sim de mudar e se adaptar a vida moderna, mas sem perder a sua característica da vida ao ar livre, do aprender a fazer fazendo e de seguir seu próprio caminho.

. Ele sempre dizia que somente pelo resultado e não pelo método que se julga a instrução. Não basta ter jovens disciplinados obedientes, mas sem personalidade e nem força de caráter, sem espírito de inciativa ou de aventura. Jovens incapazes de se “virarem”. Dizia e isto naquela época sem os milagres da metodologia moderna de hoje. Ele dizia que com o moderno crescimento das cidades, fabricas rodovias e linhas telefônicas, e de tudo aquilo que chamamos “civilização” a natureza é mais afastada ainda das pessoas. Suas belezas e seus milagres se tornam estranhos as nossas afinidades pessoais com a criação divina e se perdem na vida materialista das multidões, com suas deprimentes condições entre as espantosas construções erguidas pelo homem. A natureza vem sendo expulsa para fora da nossa vida e é substituída pela artificial e graças à bicicleta, ao carro, ao elevador, as nossas pernas acabarão pôr atrofiarem-se pôr falta de exercícios e os nossos filhos terão cérebros maiores, mas sem músculos.  Sua formação ao fazer as atividades mateiras e de campo irão desenvolver seu cérebro, dar autodomínio, ensinar o fazer fazendo, pois um dia ele vai ser dono de si mesmo. Mas quem é este tal de BP para achar que é o dono da verdade?

                   Uma vez resolvi fazer uma canoa. Risos. Isto mesmo. Ganhei um tronco de mais ou menos sete metros por uns 400 mm de circunferência. Falei com meu pai que queria fazer uma canoa. Meu pai conhecia o Zé do Dedo, um carpinteiro bem conhecido na cidade. Disse para ele me ensinar. Como descascar a madeira, como tratar e conservar, mantê-la seca e arejada se possível mergulhada na água. Você vai precisar de uma proteção do sol, não deixar o tronco em contato com o solo enquanto trabalha. Ele mesmo me disse que o tronco era um Cedro. Perfeito ele disse para uma canoa. Eu tinha uma machadinha, meu pai me deu um Enxó, uma Goiva e um serrote. O próprio Zé do Dedo me emprestou um machado e um traçador. Claro que para usá-lo precisaria de duas pessoas. A Patrulha se aliou a mim e durante três meses ficaram ao meu lado depois desistiram. Não foi fácil. Voltava da escola e ficava de uma a duas horas a trabalhar na canoa. Zé do Dedo era formidável e meu pai não deixando eu desistir.

                   A cada dois ou três dias passava por lá a me ensinar e ver o que tinha feito. Foram seis meses. A canoa ficou pronta. Pesada, eu mal aguentava levantar sua lateral. Devo dizer que a canoa na visão de um bom construtor era feia, desajeitada, e qualquer corredeira ele iria virar o contrário e afundar. Quando ficou pronta precisava ser transportada para o rio. Um amigo do meu pai tinha um carroção. Ele meu pai, eu e minha Patrulha a colocamos no carroção e na beira do rio fomos tipo escada rolante levando até o rio. Boiou! Palmas fiquei super alegre. Dei pulos para o ar. Vamos testar. Zé do Dedo aconselhou ir só dois. Meus remos eram pesados e em pouco tempo não aguentávamos mais remar. Levei a canoa até próximo ao Curtume. Conhecia o vigia. Ele se prontificou a tomar conta. A canoa serviu para muita coisa. Não era a melhor canoa do mundo nunca foi. Mas até hoje eu não esqueço o que fiz. Não durou muito tempo. Uma enchente e ela sumiu. Não me tornei um carpinteiro e nem fabricante de canoas. Meus calos, minhas dores nas omoplatas nunca as esqueci, mas valeu!

                 Escoteiros adoram desafios. Desafios que eles podem sonhar e planejar em fazer. É no campo que temos os maiores desafios. E não posso acreditar que oferecer ao jovem uma boa atividade Escoteira no campo poderá ser substituída pelo que o mundo moderno oferece hoje. Só aqueles que não passaram por isto podem tentar dar outra conotação a este desafio. Aprender fazendo é uma arte. Ser seu próprio mentor e construtor é outra. Um dia todos os jovens irão viver nova vida fora do domínio dos pais. O escotismo os ensina a vivenciar isto. Difícil afirmar onde é o caminho da modernidade e o caminho do desafio no campo. Acredito que ambos se complementam. Oferecer a eles algum diferente que o interesse será momentâneo e não continuo. Oferecer a eles uma vida de aventura, deixar que pensem que podem ser heróis e deixar que eles vivam todos estes sonhos até o fim, isto sim irá motivar sua participação para sempre. Muitos estão tratando nosso jovens como bonecos de louça. Medo disto, medo daquilo. Ele está sendo proibido de pensar. Adultos estão pensando por eles. Decidem por eles. Saber onde e quando e como é tarefa dos chefes, mas colocar a Patrulha na estrada é tarefa dos jovens. Os novos pais chefes devem entender bem isto. Desafio faz parte do jovem, deixe-o seguir com os outros para fazer acontecer sua grande aventura.


                Nunca esqueci minha canoa. Meu pai foi meu instrutor e dos bons, não deixou que eu desistisse. – Se você começou termine! Dizia. Obrigado meu pai. Obrigado ao escotismo que me ensinou que desafios são para aqueles que irão até o fim. Infelizmente os resultados não são bons. Qualquer um pode ver isto dentro de sua própria comunidade. Somos uns eternos desconhecidos e dizer o chavão que a culpa é de cada um não vai levar a lugar algum. Isto vem sido dito há anos! Nossos lideres precisam dar um passo. Conseguir melhores condições para a atuação dos chefes, conseguir apoio, ter profissionais competentes para um marketing forte mostrando as vantagens da educação Escoteira. Não isto que oferecem hoje. Os programas que eles fizeram quase tudo é encontrado na escola, nos clubes e junto a amigos sem esquecer o “fabuloso” celular. Não serve talvez como exemplo, quem sabe serve como uma pesquisa de amostragem: - Nas redes sociais e sites de amizade, procurem ver as fotos que fazem mais sucesso e são compartilhadas. Barracas suspensas, pontes, pórticos e jovens partindo para suas grandes aventuras de exploração da natureza. Ainda não vi o que os modernistas escoteiros estão sugerindo e implantando. Ou melhor, será que vi e só não vi os resultados? Afinal foram 6.000 Escoteiros que abandonaram o escotismo em 2014. Falar mais o que?