Luz, câmara,
ação! Com vocês:
Mowgly o
menino Lobo.
A Lei da Selva:
“Na alcateia de Mowgly, a lei ensinada
por Baloo é repetida por todos os lobinhos: “Esta é a Lei da Selva, tão antiga
e imutável quanto o céu; quando um lobo a viola, ele morre, mas prospera o lobo
que é fiel”. Como a hera que envolve o tronco, a lei sobe, desce e volteia –
pois a força da alcateia é o lobo, e a força do lobo é a alcateia”.
Não tinha visto no cinema. Só ontem gravei e o assisti por inteiro.
Tinha curiosidade em ver como o Cinema de Hollywood poderia
ter modificado a história de Rudyard Kipling. Mesmo não sendo o que esperava
gostei. Uma Bagheera meio draconiana, exigente, séria demais para meu gosto e
um Baloo suburbano menos professor e sábio fazendo o papel de um hippie simpático
que encanta a todos. Que ele seja um pouco egoísta pensando só em si e na sua alimentação
não importa.
Pouco dos irmãos Gris e muito dos Bandarlogs. Uma história diferente, um
Mowgly simpático de olhos tristes e cheio de coragem. Um Akelá que quase nada
diz a não ser na Rocha do Conselho. Um Shery Kaan que parece ser o Chefe de
tudo e todos que mata o Akelá sem nenhuma chance de defesa. Sabemos que foi o
Baloo quem ensinou a Mowgly a Lei da Selva, mas ela já era conhecida e repetida
na alcateia em todas as vezes que estavam na Rocha do Conselho. Vez ou outra Hollywood
se perde no filme.
O escritor Rudyard Kipling
autor do Livro da Selva é um representante perfeito daquilo que os acadêmicos
de hoje desprezam. Já foi tachado de imperialista, racista, reacionário e de
todo tipo de adjetivo que a histeria politicamente correta procura impingir
àqueles nomes difíceis de enquadrar nos cânones da leitura simplista da história.
O livro da selva
é a história mais
conhecida de Kipling. O motivo são os contos que narram à história do
menino-lobo Mowgly, abandonado e criado numa alcateia no meio da selva – ou
Mogli, na grafia adotada em português no novo filme da Disney, que tem no
cinema quando passou quebrou recordes de bilheteria.
Mowgly cresce e, aos 17 anos, incapaz de resolver seu conflito interior,
vai buscar abrigo entre os homens. Os livros da selva terminam
aí. Mas o primeiro conto que Kipling escreveu sobre Mowgly, “No Rukh”, ficou de
fora. Mostra Mowgly anos depois de sair da selva, quando ele usa seus talentos
para se tornar funcionário de um parque florestal. Sem deixar de ser selvagem, Mowgly
começa a entender como as leis dos homens protegem mais que a da selva. Para
desespero de tribos e alcateias, casa-se com a mulher por quem se apaixonara –
uma muçulmana.
O fascínio exercido por Mowgly
em adultos e crianças até hoje desmente os críticos de Kipling. Sua visão da
relação entre o homem e a natureza e entre os diversos povos nada tem de
simplista. É limitador considerar Os
livros da selva – são dois; Mowgly
aparece em oito dos 15 contos – apenas uma alegoria da dominação imperial ou da
hierarquia social do final do século XIX. A narrativa de Kipling faz uma
reflexão profunda, apenas pincelada no filme, sobre o que distingue homens de
animais.
Se há simpatia do autor por um
dos lados, ela certamente está com os bichos, transformados em exemplos de
valentia, astúcia, sabedoria, ternura e amor. O herói que mata o cruel tigre
Shere Khan é um menino, dividido o tempo todo entre seu lado homem e seu lado
animal; entre sua mãe loba na selva e aquela que se diz sua mãe na aldeia;
entre seus amigos bichos – um urso, uma pantera-negra, um píton e seus irmãos
lobos – e sua humana solidão existencial. “Essas duas coisas brigam dentro de
mim assim como as cobras brigam na primavera”, diz ele a certa altura. “Eu sou
dois Mowglis, mas a pele de Shere Khan está sob meus pés.”.
Faltaram pontos importantes neste
filme. É a lei anterior às religiões, à escrita, às constituições e aos
tribunais. É a lei de todo grupo que precisa permanecer unido para sobreviver,
daqueles que se protegem porque nada mais há para protegê-los, do “nós” contra
“eles”, das máfias e partidos. Necessária, mas insuficiente para Mowgly.
Quando, no penúltimo conto, sobrevém o ataque dos selvagens cães vermelhos, ele
usa sua astúcia para conduzi-los às abelhas ferozes; depois sucede o
enfrentamento sangrento da alcateia com a matilha, que termina com dúzias de
mortos – uma cena ausente do filme.
Pelo sim pelo não adorei o filme.
Quem sabe um dia Hollywood irá fazer um filme fiel a História da Jângal.
Seria formidável ver Mowgly crescendo, aprendendo com Baloo e Bagheera e tendo
uma Kaa amiga como se fosse uma avó para conduzi-lo e não como no filme que
queria fazer dele seu almoço. Só de pensar em um filme com a parte mais linda
escrita por Kipling, a Embriagues da Primavera seria o sonho de todos que fomos
lobinhos e lobinhas, e até mesmo daqueles que têm ou tiveram a honra de ser um
dos participantes da história que encantam a todos que leram o livro.
A escolha do Livro da Selva
como mística e filosofia para o programa das Alcateias nunca pode ser
esquecida. É uma história para crianças, mas que encanta a todos nós seja em
qualquer idade. Um dia quem sabe surgirá um novo filme, mostrando a sequência
do Livro da Selva, onde Kipling escreveu sobre Mowgly “No Rukh! Valeu o filme.
Quem sabe daqui alguns dias o verei de novo.
Melhor possível a todos que labutam e
participam do lobismo com amor.
- nota: - “Esta é a Lei da Selva, tão antiga e
imutável quanto o céu; quando um lobo a viola, ele morre, mas prospera o lobo
que é fiel. Como a hera que envolve o tronco, a lei sobe, desce e volteia –
pois a força da alcateia é o lobo, e a força do lobo é a alcateia”. Um
pequeno artigo baseado no que escreveu Helio Gurovitz na revista Época, sobre o
Filme de Mowgly o menino Lobo. O outro lado da história.