quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Conversa ao pé do fogo. As canções que um dia cantei para mim.


Conversa ao pé do fogo.
As canções que um dia cantei para mim.

¶ Põe tua mágoa bem no fundo do bornal e sorri, sorri, sorri!
O que importa é vencer o mal mantem sua alegria,
Não importa você se zangar, pois o mal há de acabar, e então?¶

                      Eu sempre gostei das canções e hinos escoteiros. Já vi tropas, alcateias cantarem divinamente. Tive a sorte de ver dezenas de escoteiros e sêniores em marcha de estrada sorrindo de peito aberto e cantando a plenos pulmões, mostrando seu orgulho escoteiro. Quantas e quantas canções ouvi nas centenas de noites de Fogo de Conselho que participei. Lembranças de uma pequena fogueira em uma trilha qualquer onde uma alguns gravetos ou pequenas achas alimentava o corpo e a mente da Patrulha. Cantei em montanhas e picos distantes, Vales, colinas verdejantes, embaixo de árvores frondosas, colinas enormes onde armei minha barraca.

                     Emocionei-me muitas vezes a cantar as canções de Giwell com os irmãos Insígnias. Amo muito “Em meus sonhos volto sempre a Gilwell”. Todas as canções que cantei e ouvi cantar não tenho como dizer qual a mais linda, a mais simples, a mais complicada. Quantas e quantas vezes, cansado, voltando de um acampamento e empurrando a carrocinha as canções surgiam naturalmente em minha mente. “Viemos do norte, do sul e do leste”... É e terminar dizendo – “Lavando as panelas são todos irmãos”. E olhe que eu não participei desse Jamboree.

                     Aprendi algumas canções cantadas por este Brasil afora que milhares de chefes fizeram. Poucas eu guardei na mente. Eu mesmo fiz algumas e hoje esqueci. Das tradicionais eu tenho as minhas preferidas. Guin gan guli, o Cucu a lembrar da Noruega, Terra do Belo Olmeiro do caçador saudoso remando nos Grandes lagos do Canadá. E a Árvore da Montanha? O meu Chapéu tem três bicos? Clássicos que ninguém esquece. Com sono cantávamos baixinho o Kumbayah. Eu tenho certo carinho pela Canção da Promessa, Guingaguli o espírito de BP. Lindas.

                    Melhor ainda o Adeus Montes e Vales, Avançam as Patrulhas, Stoldola (esta eu cantei uma vez fora do Brasil, marcou muito). A Canção do Clã é inesquecível. São tantas e tantas e olhe, tive a honra de conhecer chefes de outros países com canções divinas. Vi violeiros, gaiteiros, trompetistas, um Sênior que tocava maravilhosamente um saxofone. Eu sempre chorei com algumas canções. Não dá para segurar. A Canção da Despedida emociona. Uma vez acampava em um país sul americano e me aparece uma Lobinha (Ariana seu nome) tocando a Canção da Despedida em um violino. De mãos entrelaçadas chorávamos a cântaros. Demais.

                   Tive a honra de ver muitas alcateias e tropas cantarem divinamente. Dava para ver o espírito de BP em volta ouvindo. Quem sabe a lembrar dos seus acampamentos, de Brownsea nas noites estreladas em volta de uma fogueira. É maravilhoso ver meninos cantando e vivendo o que cantam. Um violão, uma guitarra, uma harmônica, um saxofone ou mesmo uma flauta simples engradece qualquer canção escoteira. Quando a gente canta a música entra em nossos corações, bate fundo lá dentro e fica arquivada no cérebro para sempre.

                    Todos nós amantes do escotismo dessa bela filosofia sabemos que não existe nada tão maravilhoso que um céu estrelado, uma clareira em uma floresta, achas de lenha queimando, o calor adotando há todos a sua volta e as fagulhas se espalhando no céu. E quando se canta uma canção cm amor nenhum espetáculo se sobrepõe aquele momento. É sublime e olhamos em volta com os olhos vermelhos de emoção a ver nossos amigos escoteiros sentindo o mesmo que nós.       

                   Comprei uma vez um violão e aprendi duas posições. Isto mesmo só duas e dava para acompanhar. Era delicioso sair do campo da chefia, ir a um campo de patrulha ao entardecer na luz brilhante de um lampião a gás ou a querosene; sentar em qualquer lugar, enquanto o cozinheiro com os olhos enfumaçados sorria a ver sua sopa fervendo, e cantar com os patrulheiros belas canções escoteiras. As outras que ouviam devagar iam se aproximavam, sentando em volta e cantando também! Maravilhoso! Um calafrio sacode o corpo, é ali que sabemos sermos todos irmãos.

                  Mas eu sei como você sabe que a Canção da Promessa, o Stoldola na abertura do fogo são imortais. Kumbaya então é demais. E quando termina o fogo e com as mãos entrelaçadas cantando a Canção da Despedida, a gente não sabe se esta vivo ou se está espiritualmente percorrendo o passado em busca do tempo, vendo as florestas percorridas, os rios onde um banho aconteceu, lindas cascatas e o céu estrelado para sonhar e contar estrelas. Quando fiz doze anos comprei com meu trabalho uma gaita de fole. Em casa me proibiram de treinar. Diziam que o barulho era infernal. Risos. Eu treinava na beira do rio, no campinho e quando pela primeira vez toquei em um acampamento uma musica que não me lembro todos se assustaram.

                - Não fui lá essas coisas com o violão e a Gaita. Mas tive a honra de ver violeiros escoteiros tocando lindas e saudosas canções escoteiras. Um Sênior da Bahia me desafiou na Gaita em uma tarde gostosa a beira do Rio das Velhas. Deu-me o maior show! Mas quer saber minha maior emoção? – Voltava de um acampamento na Várzea do Rio do Peixe, e a pé se aproximando da minha casa, vi meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs (todos já foram para céu) sorrindo. Na vitrola tocava o LP Sempre Alerta do Trio Irakitan. Foi demais. Chorei demais. Fiquei mais de meses ouvindo todos os dias as canções tocadas.

                 Não sei se hoje os jovens cantam amando a letra e a musica e que ela ainda ficam gravadas em seu coração. Poetas dizem que a música é o tipo de arte mais perfeita: nunca revela o seu último segredo.  Milhares de pessoas cultivam a música; poucas, porém têm a revelação dessa grande arte. Paro por aqui. Lembranças batem fundo e a gente tem de continuar a viver. Lembranças? Águas passadas que não existem mais...

Eu não sei, mas quem sabe Baden-Powell cantou assim lá em Brownsea?  - ¶ “Boa noite Touros, boa noite Maçaricos, Boa noite Corvos e Boa noite Lobos, pois agora eu vou dormir – Bem alegre vamos indo, vamos indo vamos indo, bem alegre vamos indo para o mar azul”!


Nota de Rodapé: Os poetas nas suas palavras tão lindas disseram: - Seja como os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas. Pus-me a cantar minha pena com uma palavra tão doce, de maneira tão serena, que até Deus pensou que fosse felicidade - e não pena. E lembre-se escoteiro, cante, quem canta seus males espanta!