sábado, 28 de março de 2020

Conversa ao pé do fogo. A fantástica “Banda” do Maestro Munir. (qualquer semelhança é mera realidade).




Conversa ao pé do fogo.
A fantástica “Banda” do Maestro Munir.
(qualquer semelhança é mera realidade).

... Nos tempos do Covid-19 uma pequena história para mudar de assunto dos a favor e dos contras de como proceder conforme a Organização Mundial de Saúde ou conforme as razões do Presidente. Que toquem as cornetas para seus mortos!

... Sempre Alerta corneteiro! Toque por favor, para eu dormir o toque do Silêncio. E ao amanhecer o toque da alvorada! Amo ouvir o toque quando a lua cheia rasgava o céu da noite cheio de estrelas ou quando o sol vermelho, escondido pelo orvalho da noite, resolvia aparecer em um céu de brigadeiro. Quantas saudades... Se quiser faça silêncio, vou cantar para você a mais linda canção da alvorada de todos os tempos! Sei que irá adorar! “Amanheceu... O céu é cor de anil! Alerta, Alerta, de pé pelo Brasil"!  

- Quando Escoteiro eu tinha um sonho. Ou melhor, dois, acampar no Pico da Bandeira e participar da Banda do Maestro Munir. Com doze anos um caminhão da prefeitura nos levou até Caratinga. Lá pegamos a Maria Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas pedras). Minha alegria não tinha limites. Afinal estive no Pico da Bandeira. Uma linda história para contar, mas fica para outra vez. Agora precisava entrar na Banda. Osso duro. Munir era magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado, mas muitas vezes preferia uma boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem era esse tal Montgomery. Usava o uniforme caqui curto e uma bota cano longo. Sujeito estranho o Munir. Chamá-lo de Munir era briga na certa. Senhor Maestro Munir! Ele encarava você nos olhos, uns dois minutos, você não sabia onde esconder.

A Banda treinava todas as quintas feiras entre sete e dez da noite atrás do cemitério do Azarão. Um campinho de futebol, próximo à cidade, mas cujo barulho não incomodava os vizinhos. Só os coitados dos “defuntos”. A Banda não era grande, se não me falha a memória tinha quatro tambores, mais quatro surdo mor (daqueles enormes quase um metro de altura) cinco tarois, oito caixas claras, quatro bombos, seis cornetas e três clarins. Clarins? O meu sonho. Um dia iria tocar um. Mas precisava ter curriculum na banda para pelo menos encostar um dedo nele. Munir era severo. Ria pouco. Um olhar dele gelava todo mundo. A Banda dos Escoteiros era famosa. Nas festividades todos aguardavam ansiosos a Banda passar. Em frente ao palanque das autoridades fazia evoluções e depois ia em algumas ruas para saudar os moradores que saiam para aplaudir a Banda dos Escoteiros.

Munir tinha pose dos oficiais ingleses. Aquela fleuma que só os ingleses têm. Com sua varinha, seu chapéu virado, sua bota cano alto a marchar à frente da Banda fazia gestos como se estivesse regendo uma grande orquestra. Ali era o Rei. Exigente o Munir. Marchar bem, com honra, respeito, garbo e boa ordem. Bastava um para destoar e ficar fora da banda por meses. Sua palavra era a lei. Ninguém contestava. Nem mesmo o Chefe João Soldado e o Chefe Jessé. Eu era freguês de carteirinha dos seus treinos. Ficava abobalhado olhando o ribombar dos instrumentos. Trinta minutos de ordem unida. Munir não gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu bastava. Todos obedeciam: - Em frente marche! Se alguém errasse valha-me Deus! Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos, cornetas, mas meu xodó era o clarim. Jasiel e Marquinhos eram senhores da banda. Sentiam-se importantes para olhar para mim. Eram seniores corneteiros. Uma dádiva de poucos.  

Só faltava ao treino da Banda quando ia acampar. Este era sagrado. Uma excursão, bivaque, acampamento sempre estiveram em primeiro lugar. Um dia achei em um pé de Manga, um galho que se cortado iria ficar igual a um clarim. Preparei meu instrumento medieval com carinho. Ficava em casa horas com ele na mão. Levava a boca, fingia que tocava, balizava e sorria. Sonhava em tocar a Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar, a saudação à autoridade e tantos outros toques. Decorei todos. A Patrulha me absorvia. Eu amava minha patrulha Lobo. Entre ela e a Banda só tinha uma escolha. A patrulha. Um dia tomei coragem. Procurei o Maestro Munir. Conferi meu uniforme, tinha que estar nos trinques como se fosse uma inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido, meia saudação – Sempre Alerta Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da Banda! – Tinha treinado em casa em frente ao espelho como falar com ele. Se errasse ele nem na minha cara ia olhar mais.

Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem piscou. Cara fechada. Ficou também em posição de sentido. Bateu um calcanhar sobre o outro. Plok! Sinal Escoteiro estilo militar. - Quinta! As sete em ponto! Se chegar atrasado não venha nunca mais! – Sai gritando de alegria. Contava para todo mundo. A Patrulha me parabenizou. E agora como você vai fazer? – Fácil disse. Os treinos são as quintas e dificilmente saímos em atividade neste dia. Nos desfiles vão todos. Portanto dá para conciliar. – Não dá disse o Romildo Monitor. Quinta agora não vamos acampar em Bom Jesus? É feriado lá e aqui. Minha nossa! Eu pensei e agora. – Bom Jesus ficava a vinte quilômetros de distancia. Iríamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda e nem no acampamento. Tinha uma menina em Bom Jesus que me olhava e ria. Quem sabe estava ficando apaixonado?

Dito e feito. Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a minha cidade no meu cavalo de aço correndo como um louco estrada a fora. Cheguei no campinho as sete em ponto. Suando, cansado, mas com um sorriso no rosto. Posição de sentido e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro Munir. No primeiro dia só treino de ordem unida. Ele só me deu um tambor pequeno oito treinos depois. Terminando voltei correndo para Bom Jesus. Só três anos após comecei na corneta e depois no clarim. A “embocadura” demorei seis meses para adquirir. Meu sonho na Banda aconteceu. Toquei clarim por muito tempo. Quando servi o exército era com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca faltei a um treino, desfile e nem tampouco nas minhas atividades ao ar livre.

Encontrei Munir anos depois em Colatina. Ele bem velho. Eu com meus trinta e cinco anos. Olhou-me com aquela cara feia, ficou em posição de sentido. “Ploc” ouvi seu calçado bater. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o mesmo. Maestro Munir! Que prazer! Já com aquela idade ainda tinha medo do Senhor Maestro Munir. Ele riu. Nunca o tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Vado Escoteiro, eu sempre gostei de você. Nunca o esqueci. Aquele abraço foi demais. Uma alegria, pois nunca o vi dar um abraço em ninguém. 

Os tempos são outros. Muitos sem ter nenhuma base da formação futura dos jovens abominam bandas e ordem unida. As bandas e fanfarras não são como antigamente. Não existem mais os Maestros como o Munir. Sei de muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram sua banda. Imposição dos dirigentes? Que pena. Dá para conciliar. Da para treinar sem incomodar. Até hoje olho com saudades os desfiles. Amava a banda dos Fuzileiros Navais. Ainda existem Maestros Munir por aí? Não sei. Mas ainda tenho saudades daqueles tempos, da minha Patrulha, da minha banda do meu clarim!