segunda-feira, 30 de março de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Meus sentimentos!




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Meus sentimentos!

... – Conforme me informei meus sentimentos tem como sinônimo meus pêsames. Ensinam-me que é um substantivo masculino plural que expressa um sentimento de pesar, dor e compaixão em relação à morte de uma pessoa. Muito utilizado nos dias de hoje, principalmente entre idosos que se arriscam a saírem do seu domínio no seu Campo de Patrulha, se arriscando com um bicho dos “brabos” nas matas do Corona.

- Perdido nos meus pensamentos, hoje meio azombado e cismarento levantei-me calmamente tentando pisar com o pé direito. Não deu. O danado do pé esquerdo enxerido pisou primeiro no chinelo do pé direito. Coisa danada de ruim eu previa que ia acontecer. Foi uma noite cismativa, sonhos que nem sempre mostravam a luz do luar e a suave madrugada com o nascer do sol. Andando aleatoriamente nas nuvens do céu, eis que vi um antigo amigo, de longas eras, de apetitosos acampamentos e grandes excursões. O chamei alegre e ele de cara fechada reclamou severamente dos novos tempos que estavam passando. Escriba! (na Patrulha Lobo fui escriba por bons pares de anos) melhor voltar para a terra. O Grande Acampamento está lotado de chefes europeus e americanos e pressentia que não haveria mais lugar para eu ficar pois os subcampos estavam lotados de todo tipo de escoteiros e velhos escoteiros. Belisquei de leve no braço e vi que estava sonhando. Bom isso, ainda não fui coronado pelos vírus 19.

Sentamos próxima a Estrela Aldebaran uma das mais lindas da Constelação de Touro (nada há ver com a Constelação do Lobo que foi minha Patrulha e esquecida pelos cientistas estelares) e embaixo de um pé de Amoreira ficamos a conversar sobre a nova leva de Escoteiros e Chefes que chegaram e os demais que ainda vão chegar. – Vado Escoteiro, cuidado, tu tá na lista dos chamados. Se arriscar vai pru beleleu e aqui não tem mais lugar! Não vá no papo do Presidente, nem pense que uma voltinha na rua o bicho não vai pegar... Olhei para ele. Tinha doze anos que desembarcou na estrela do Castor da Constelação de Gêmeos por morte morrida e nem pude comparecer ao seu desenlace para dizer que sentia muito sua partida. Costumo palavrear esperando que com isto conforto a ele e aos familiares.

Tentei mudar de assunto. Tínhamos tantas coisas para lembrar. Ele riu e me disse: - Sabe nunca esqueci o “assalto” que fizemos na descida do Morro do Cavalo. Foi demais, encontrar aquele canavial só de Cana Cayana e eu adoro, convidei vocês para cortarmos alguns pés e levar para chupar quando chegássemos a Barra do Cuieté. Ri com ele. Nem cortamos um pé e na cerca apareceu um sujeito mal encarado, com uma carabina no ombro e gritou para pararmos. Quando vimos àquela figura achamos que iriamos ser metralhado sem dó e sem piedade. – Ele em silencio por minutos nos convidou a ir até a casa dele. – Olhe escoteiros, lá tenho uma plantação da Cayana especial. Nem precisa de faca. Você com os dentes chupa até a casca! Ele e eu caímos na gargalhada. E assim foi, ficamos horas a lembrar das caminhadas, do sol, da lua das estrelas, coisas que os bons escoteiros não esquecem jamais.

Mesmo sem relógio vi aparecer no céu a Estrela Dalva, como sempre linda, aparece no Brasil sempre entre quatro e cinco da manhã. Hora de acordar. Ele de novo me disse para me precaver. Vado, aqui não tem mais lugar. Tem gente na fila e a espera leva anos. Infelizmente chegaram há alguns anos alguns dirigentes Escoteiros terráqueos do Brasil e quiseram acabar com os subcampos. Só deixavam entrar quem tinha registro no tal PAXTU. Eu não concordei, mas você sabe não sou convincente e ninguém ligou para mim. Hoje eles tomam conta de tudo. Contei para ele rapidamente como era na terra, agora só gente nova e recebendo uma lavagem cerebral do que será o novo escotismo. E os mais velhos? Ele me perguntou... Alguns saíram e outros concordam com as normativas impostas. Outros se satisfazem com seus cargos, suas medalhas e seu passado de Grande Chefe.   Nos abraços, um aperto de mão esquerda forte, calcanhar batendo “ploc” e um sorriso. Deixou-me próximo ao Céu de Osasco. Ainda fiquei algum tempo entre cochilar e acordar.

Levantei as seis, bem tarde, afinal tinha meus medicamentos para me fartar com meu respirador artificial e fazer alguns trambeques para o corpo não piorar. Na varanda onde aspiro meus medicamentos pulmonares fiquei pensando até quando poderei evitar a pandemia. Melhor não me preocupar, que seja tudo que Deus quiser. Enquanto isso vou até a sala, ligo na Globo News, passo para a CNN Brasil e dou uma voltinha na Band News. Uma hora e estou bem informado. Volto para a varanda pensando até quando conseguirei criar meus artigos, histórias que chamo fruto de minha imaginação. Na calada do meio dia pensei quantos pêsames ainda ia dar. Não é fácil. Uma tristeza só. Já não existem para os que se vão com o vírus um velório onde possamos abraçar os familiares e tentar demostrar nossa compaixão e solidariedade. E o Presidente nem fala nisso.

E perdido em meus pensamentos, sentado em frente ao meu computador, bato na tecla e vou escrevendo sem saber quando terminar. Um sorriso? Um abraço? Um aperto de mão? Um dia sim outro não. Que cada um ponha a mão na consciência e veja até onde chegar. Volto no tempo e vejo Olavo Bilac escrevendo um dos poemas que mais gosto e que recitava nas noites de belos acampamentos noites que não voltam mais: - Ora (direis) ouvir estrelas! Certo, perdeste o senso! “E eu vos direi, no entanto, que, para ouvi-las, muita vez desperto e abre as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto a Via Láctea, como um pálio aberto, cintila! E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, inda as procuro pelo céu deserto... Direis agora: - “Tresloucado amigo”! Que conversas com elas? Que sentido tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las”! Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas!