quinta-feira, 5 de março de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Velhos escoteiros... Para que servem?




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Velhos escoteiros... Para que servem?

Dei um salto no tempo... Cheguei à terceira idade, e o pior cheguei como Escoteiro. Isto é bom ou é ruim? Platão na sua sabedoria escreveu que devemos temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas Chefe Vado são provas de idade e não de prudência. Pois é, mas adoro minha bengala, ela me abre alas, me dá privilégios e ninguém se incomoda quando espero no Posto de Saúde, ou no pronto socorro eu posso dormir sentado escorando nela sem ninguém para me acordar. Leonardo da Vince que como eu ficou velho me disse em um acampamento: Vado Escoteiro o conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã. – Ele já naquele século devia imaginar que um dia teríamos o Google para dirimir dúvidas, ensinar, lembrar e recordar frases dele e de diversos sábios do passado.

Mas estou ficando cada dia mais esclerosado, decrépito, cocoroca e caquético. Como dizia meu compadre Chefe Wander hoje lá no céu: “Chefe Vado tem gente que gosta”... Ele se referia aos Chefes que de uma maneira geral diziam sempre o que o jovem quer o que devemos dar a ele e coisa e tal. Ele tem razão. Alguém perguntou? Ouviu eles mais que falou? Que adianta martelar que são os jovens a razão de ser do escotismo? Que adianta expressar, exprimir, cavaquear aos ventos do sul, do norte, do este e do oeste que eles podem dizer o que é bom, o que não é e o que gostariam de fazer? Não condeno afinal hoje o escotismo é outro. Moderno, novas técnicas de educação e coisa e tal. Já deve ter alguém de alto coturno a escrever como erudito pensador pedagogo suas novas teorias da formação escoteira segundo ele e não Baden-Powell. E eu um velhote escoteiro ultrapassado que um dia foi lobo/escoteiro/sênior/pioneiro/Chefe e o diabo a quatro, sou um peixe fora d’água na nova metodologia que trazem os novos tempos modernos.

Jacques Rousseau na calada da noite na subida do Morro da Onça Pintada sussurrou ao meu ouvido: - Vado Escoteiro, na juventude deve-se acumular o saber, na velhice fazer uso dele. – Bonito isso! A Infância é a idade das interrogações, a juventude a das afirmações e a velhice a das negações. Fico olhando de soslaio na janela das redes sociais onde o escotismo moderno vai parar. Sem ofensas meu nobre amigo Chefe, arauto professor e erudito pensador das novas técnicas de ensino e formação educacional da juventude. Que não me venha Gabriel Garcia Marques me dizer que o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão. Pode ser...

Mas sem desmerecer os “çabios” escoteiros da atualidade, mexo, sacudo bamboleio pensativo se eles tem razão. Perscruto no meu passado se haviam tantos chefes que me ensinavam, me adestravam, faziam palestras, mostravam seus saberes aprendidos ou no que fizeram nos seus tempos ditosos no escotismo. Será que eles podem afirmar que tudo que disseram os resultados foram surpreendentes? Quantos jovens que viveram escotismo por vários anos hoje sacodem seus velhos tempos vociferando que valeu? Mas e a porta do marketing que hoje quase não existe, a volta da evasão que bate solta nas Unidades Locais (puxa! Antes era Grupo Escoteiro, agora é UL. Bom demais!). Será que o jovem é tão servil assim? Aceita o que lhe impõe, não sabe o caminho a seguir, converge sempre na trilha do Chefe e ninguém lhe disse que se um segue um cego cai no buraco e outros também vão cair?

Estes pensadores dos velhos tempos não me deixam descansar. La vem Marcel Proust me afirmar que acontece com a velhice o mesmo que com a morte. Alguns enfrentam-nas com indiferença, não porque tenham mais coragem que os outros, mas porque têm menos imaginação. Batuta o pensador. E eu um reles chefete enfiado na idade que dizem da razão, me escondo atrás daquele menino, que no alto de sua sabedoria, saiu e voltou a sua velha Patrulha radicada por anos no bairro onde mora. Lembro-me dele sorrindo e pensando: Aqui eu tenho voz e voto! Ele sabe que ali é melhor que sentar em cadeiras, ver o quadro negro e um Chefe falando, e falando e falando! Perguntei a ele e me respondeu: - Chefe Vado Escoteiro, cansei, falam demais, se mostram demais. Nem fotos nossas eles tem para avultar. Tem sim deles, dos cursos, das insígnias, das promoções, das festas de adultos voluntários, uma plêiade só deles afinal Chefe, eles precisam disto. Muitos não foram escoteiros e aqui é o lugar deles para escoteirar...

Não me esqueço de antigos chefes que conheci que me diziam: - Não faça se eles podem fazer; Deixo-os caminhar com as próprias pernas, ensine aos lideres e os lideres que se virem com os demais, desde é claro que seu olho passeia nos tempos de antes e no depois. Não gosto de magoar e nem mostrar que sou um professor. Sinceramente sou um zero a esquerda pedagogicamente. Gosto do velho mote Badeniano: - “Só se aprender a fazer fazendo”. Estes supimpas inventores da metodologia moderna precisam ver para crer... Se deu certo! Piso no meu direito com o esquerdo (quase caio ao chão), fazer experimentos com jovens? E se der errado? De quem é a culpa? Alguém será levado aos tribunais da razão?

Não adianta, abro uma página lá está o chefão, abro outra e lá vem muitos chefões. Bolas! E as fotos dos jovens? Eles existem ou não existem? Tem fotos de acampamentos, atividades mil, um sorriso, uma vontade de dizer: “Amo você escotismo”, afinal só os adultos de hoje sabem o que é melhor para os jovens? Nem me venha com seminários, Indabas, assembleias para discutir sobre eles se não se dignaram a ouvi-lo se é isto que eles querem. Nem vou falar do sonho escoteiro, do herói da selva, dos bandeirantes exploradores do Brasil. Nem vou falar que eles ainda entram no escotismo esperando ter voz, aprender fazendo, morando na floresta, sorrindo, batendo pratos, lavando panelas, pulando no riacho e gritando a Deus e ao Mundo! – “Isto é bom demais”.

Mas sei que vem o retorno. Irão dizer que estou velho, esclerosado, que estou enganado e que meu escotismo não foi melhor. Engano sei que hoje muitos acham que o seu é o melhor. Agora eu só pergunto quantos jovens você tem em sua alcateia, sua tropa escoteira, sua tropa sênior com pouca evasão? Quantos alcançaram o Cruzeiro do Sul, o Lis de Ouro, o Escoteiro da Pátria e a Insígnia de BP? Quantos pergunto, e não é um ou dois por ano, pois isto é minoria. Temos aqui nas redes sociais um plêiade de bons chefes, que demonstram seus conhecimentos nas diversas duvidas que surgem, alguns eruditos no que diz BP em seus alfarrábios, será que toda essa sabedoria tem lugar em suas sessões?  

Como dizia o humorista João Canabrava, fecho a conta e passo a régua. Paro por aqui. Não antes de ler Sêneca que na calada da noite na subida do Pico dos Marins bateu nas minhas cotas e disse: - Vado Escoteiro, quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a. Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem. Mesmo quando tenha alcançado o limite extremo dos caos, estes ainda reservam prazeres. E viva Marco Aurélio, que ninguém sabe onde foi e onde agora deve morar!