domingo, 1 de março de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Os ventos da modernidade.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Os ventos da modernidade.

Há tempos um Chefe Escoteiro gentilmente me respondeu a uma afirmação minha de que no meu tempo o escotismo era melhor. – Chefe, ele disse, “cada tempo é um tempo, o meu o seu e o do escoteiro de hoje são os melhores. Cada um vê ao seu modo o escotismo que pratica e de uma maneira sincera ama o que faz”! Concordei com ele. Às vezes ficamos presos a uma filosofia que criamos e não nos afastamos dela. Se perguntarmos aos jovens Wesley, Robson, ou ao Jonathan aqueles meninos ingleses que sonhavam ao ler o primeiro fascículo do Scouting for Boys o que achavam das sonhadas aventuras que realizavam nos bosques nas cercanias de Londres, eles iriam dizer: - Foi o melhor escotismo que fizemos!

Se pudéssemos voltar no tempo, lá por volta de 1907/1910, e pudéssemos perguntar ao jovem Aurélio Azevedo Marques, o primeiro Boy Scout Brasileiro como foi o seu escotismo, sem sombra de dúvida ele iria dizer: - Igual eu nunca vi! E assim sucessivamente escalando décadas de escotismo em nosso país cada um ao seu modo irá dizer que sem sombra de dúvida o seu foi o melhor escotismo que existiu. Tivemos no passado ótimas literaturas escoteiras para nos despertar o sonho da aventura. O marco delas foi o Guia do Escoteiro do nosso querido Velho Lobo, Almirante Benjamin Sodré. A partir daí uma nova visão aconteceu aos olhos dos rapazes escoteiros do Brasil que praticavam o escotismo. Os desenhos encantavam. As provas eram desafios que todos queriam fazer. O livro correu de mão em mão e eu sem me colocar no topo dos admiradores do Velho Lobo, li o livro em 1951 em uma noite e sem dormir fui para o Ginásio com um sono atroz!

Os anos passam cada um vê uma descoberta particular ao entrar no Movimento Escoteiro, falo para os rapazes e moças de hoje, pois faz somente trinta e poucos anos atrás que as garotas, vulgarmente chamada por nós de pirralha fedelha adentraram no escotismo. Quando era um fedelho miúdo nunca pensei que isso iria acontecer. – Valha-me Deus! Uma moleca pirralha na Patrulha Lobo? Nem pensar. Ali era lugar de homens, durões, viajantes das estrelas (em sonho), caminheiros das trilhas que cercavam a nossa cidade. Lembro uma vez que Zé Raimundo mais conhecido como Fumanchu nosso cozinheiro, enfrentando a fumaça do seu fogão a lenha de barro, me olhou e disse: Queria ver a Toninha aqui no meu lugar! Toninha era sua namorada e vivia dizendo que um dia seria escoteira.

Ainda lembro os antigamentes que dizem foram substituídos para melhor. Melhor? Melhor era o fogão de barro, feito de barro branco ou vermelho retirado cuidadosamente das margens dos Rios Corrente, ou Rio do Pó. Fumanchu era mestre. Olhava o barro, mexia, rabiscava para ver se tinha um cisco uma pequena folha, um pedrinha solta... Exigia os troncos verdes para barrear. A mesa tinha que ficar firme, afinal cair na hora que a boia estava pronta era um Deus nos acuda! Até ali ascender o fogo exigia um palito! Sim um palito e sem direito a dois! Valha-me Deus se perdesse o primeiro... E foi então que fomos acampar em Conselheiro Pena, um novo Grupo, meninada bonita, filhos do prefeito, do juiz, do delegado e dizem que tinha um que era filho do Conego local... Rarará... Cala-te boca!

E não é que eles tinham um fogareiro a gás para cozinhar? Onde se viu isto gente? Fogareiro? Gás? E os lampiões a gás eram demais. A gente olhava e os olhos coçavam de tanta luz! Darci Bereba jurou que nunca ia abandonar seu lampião a querosene. O meu vermelho achava que nunca ia aposentar. “Necas de catibiriba”! Gostava dele, uma luz gostosa, calma, não dava dor de cabeça, não havia perigo de explosão, não quebrava camisinha e nem o vidro local. Hoje dizem que ninguém mais usa. Bem cada um é cada um. Agatão no banquete de Platão tirando onda de pensador disse: - O que não se tem ou o que não se sabe, também a outro não poderia dar ou ensinar.

Bem, mas o pior estava por vir.  Orelhudo sem avisar, me aparece com um rolo pequeno de sisal. Vado! Tente com ele pioneirar! É melhor que cipó! Olhei, toquei de leve e perguntei: - Onde arrumou isso Orelhudo? Ele ria e ria. Quer saber, demorou anos para usar o tal de sisal. Afinal conhecia cipós pelo nome simplório de matuto, cozido, mexe-mexe e nunca estudei os nomes científicos dele. Dizem que tem dezenas de espécies não só no Brasil como no mundo. Com o tempo só de olhar sabia qual o melhor para dar uma amarra, ou para fazer uma rede simples, ou uma costura de arremate. Convenhamos que não era tão rápido como o sisal,  mas a Patrulha enquanto lá estive nunca pôs a mão em um sisal.  

Dizem que hoje você no seu celular entra no Paxtu e compra o que quiser. Lembro que fiquei quase quatro meses juntando meu dinheirinho na graxa de sapato na esquina da Rua Peçanha com a Minas Gerais. Quando voltava do ginásio um dia, vi na portão da minha casa, mamãe e minhas irmãs rindo e batendo palma. Chegou Vado, chegou, Tia Cota voltou do Rio de Janeiro e Trouxe seu chapéu e o disco do Trio Irakitan! Minha nossa! Foi o mais belo dia de minha vida. E a carrocinha? Gente, a Patrulha deu duro para fazer. Juntou dinheiro, pagou ao Norberto sem dedo o melhor Marceneiro do bairro com a condição que durante quinze dias ajudarem a ele na confecção. Que festa! Nem imaginam a primeira vez. Na estrada do Dendinho indo acampar no Córrego dos Pintos eis que uma roda quebrou o eixo! Não tinha como. Deixamos a carreta escondida em um matagal próximo e levamos a tralha no lombo! Eita saudades dela...

Mas convenhamos, cada um tem sua história para contar. Seja ontem ou hoje o nosso escotismo sempre foi o melhor. Melhor para mim, para ele e para os que ainda irão nascer e serão os futuros escoteiros do Brasil. De uma coisa me orgulho, não conhecia Televisão, rádio sim, mas dava tempo? Necas, nosso negócio era escoteirar. Era ter um feriado, um fim de semana sem obrigação e lá íamos nós com nossas mochilas, ração A ou B ou C não importa, onde ao chegar Zé do Monte pegava os saquinhos da ração, juntava em sacos maiores e sua intendência toda proza já tinha pronto duas ou mais prateleiras bem feitas e que a chuva caia, que os bichos cheguem, mas ali nada iria ficar fora do lugar.

Coço a cabeça e penso, qual seria a história que meu trineto vai me contar lá em Capella quando ficar velho como eu? Dos seus velhos tempos? Dos seus acampamentos nas estrelas? E em Marte ou na Lua arvorar onde a Bandeira Nacional? Não sei, mas eles os futuros escoteiros viajantes das estrelas terão suas tralhas modernas, onde com um simples botão tudo vira um acampamento dos bons. Às vezes penso que no futuro como na Nave Interprise, os escoteiros terão em suas sedes um Holodeck ou Holosuite, tipo holografia como forma de registrar imagens em três dimensões e ali montar florestas, rios, picos, chuva, sol lua estrelas e acampar! E eles como você e eu ou mesmo o Aurélio o primeiro escoteiro do Brasil com certeza irão dizer: NO MEU TEMPO ERA MELHOR!