Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
Apenas uma
carta bem intencionada.
Guaíba, Berço da
Revolução Farroupilha, 16 de maio de 2015.
Meu Caro Monitor,
Sempre Alerta!
- Nada
de SAPS ou qualquer outro modismo inventado para “fazer diferente”. “Fazer a
diferença” é o que devemos procurar. Somos uma família onde devemos nos
destacar pela qualidade e não pela modicidade. Li os seus artigos sobre a
evasão do Movimento Escoteiro e por mais que isso me doa sou obrigado a
discordar do senhor.
Não
há evasão do Movimento Escoteiro no Brasil pela simples razão que o mesmo já
está morto, e não se pode sair de algo que não existe mais. Não tenho tanto
tempo de Escotismo como o senhor, mas sou do tempo do chapelão, da calça curta,
do meião, do cabo solteiro, da moeda no bolso da Boa Ação diária. Sou do tempo
em que existiam Escoteiros e Chefes Escoteiros, Patrulhas, Conselho de Tropa e
Corte de Honra. Sou do tempo em que durante a semana do Dia do Escoteiro
atazanávamos a vida do nosso pobre chefe pelos ofícios solicitando o dispensa
do uso do uniforme da escola naquela semana, para podermos ir uniformizados
para a sala de aula.
Sou
do tempo da malfadada frase: “O Escoteiro é uma criança vestida de idiota,
comandada por um idiota vestido de criança.” Mas também sou do tempo em que “Ser
Escoteiro” era motivo de orgulho. Do tempo em que aprendia a fazer nós não
apenas para trocar de classe, mas para saber na hora em precisar fazer um, e
fazer o certo. Do tempo em que as patrulhas faziam atividades em dias
diferentes das reuniões de Grupo, para treinar e se qualificar para as
especialidades, na busca de sempre estar um passo a frente das outras patrulhas.
Do tempo em que o “Sistema de Patrulhas” era aplicado e não apenas um nome no
rol das lembranças, onde a Bandeirola de Patrulha era cuidada, honrada e
respeitada e nunca era largada no chão.
Como
escreveu o senhor, do tempo da B.O.I.A. nos hasteamentos e arreamentos. E para
quem não conhece a sigla significa Bandeira, Oração, Inspeção e Avisos. Lembro
como o nosso GE (pequeno e um dos poucos no Estado do Rio Grande do Sul que não
era patrocinado por ninguém) buscava apoio na comunidade, participava de
campanhas, guarda à Pira da Pátria, ajudava na organização do desfile cívico e
era conhecido e conceituado na comunidade.
Francisco
Floriano de Paula e Caio Vianna Martins eram nomes conhecidos, mas como se diz
aqui na minha terra, era no tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Hoje
não vemos mais nada disso.
Vemos
jovens que não tem motivação, pois não existe mais com que motivá-los. Escotistas
(tenho horror dessa palavra) que não sabem o que é Escotismo. Cursos que são
uma piada de mau gosto e taxas, taxas e mais taxas. Não se dá o devido valor
aos antigos Escoteiros formando as chamadas Patrulhas Dinossauro nos GE. Não se
convida os antigos membros para participar ou mesmo visitar um acampamento. E
sabe por quê? Pelo simples fato de que os Escotistas de hoje tem medo de ouvir:
“No meu tempo de Escoteiro era diferente!” Tem medo de ter que dar explicação
para os jovens dos motivos que levaram as mudanças. Culpa deles? Não, pois nem eles
mesmos sabem dos motivos, guardados a sete chaves pelos medalhões.
No Brasil o Escotismo criado por BP não existe
mais. Temos um simulacro, militarizado ou completamente solto. Uma disciplina
imposta ou ignorada e não mais aquela disciplina que vinha de “dentro para
fora” na medida em que íamos aprendendo o que era o Movimento Escoteiro. Tínhamos
os “Escoteiros” e não como hoje “Escoteiro disso” ou “Escoteiro daquilo”. Nada
contra, pois são tentativas de uma volta as origens, mas que (até onde consegui
ver) não conseguiram descobrir a verdadeira origem do Escotismo ou são
impedidas de praticá-lo.
O
senhor listou quatro pontos: - Programa, Apresentação pessoal,
Formação/qualificação do Chefe e Ouvir sempre o ponto de vista do jovem. Todos
são válidos, mas se não resgatarmos a “Tradição Escoteira” e o “Escotismo de
B.P.” eles de nada valerão. Se não devolvermos ao jovem o “Orgulho de ser
Escoteiro” ele continuará a buscar isso em outros locais nem sempre muito
recomendados.
É inerente ao jovem participar de um
agrupamento de iguais e buscar reconhecimento. B.P. identificou esse fato e
criou um movimento voltado para aproveitar essa energia, esse sentimento de
agregação, dando um norte e uma filosofia de vida baseada no caráter e na
honra. E hoje, aqui no Brasil, foi realizado um excelente trabalho no sentido
de desmantelar todo esse esforço e banalizar o termo Escoteiro a tal ponto que
o jovem sente vergonha de ser identificado com Escoteiro e chegar à reunião com
o seu uniforme ou aquele simulacro de uniforme adotado atualmente.
O
senhor deve ter notado que não tenho participado muito das suas postagens, mas
isso não significa que não estou acompanhando elas, mas sim que sei que vou
acabar em uma ou outra rusga com alguém. Sou chato demais nesse ponto e para
mim, quando eu fiz a minha Promessa Escoteira foi para toda a vida. E a minha
promessa não foi para o que se apresenta hoje como Escotismo, mas sim para o
Escotismo de Baden Powell que estava em espírito representado na foto colorida
sobre a mesa, entre o machado no tronco de Gilwell e a vela votiva com a
promessa.
Deixo
aqui o meu (considerado arcaico) Sempre Alerta e os meus votos de força e
perseverança nessa sua jornada, a qual com certeza eu não escolheria por causa
de meu pavio curto.
Um Velho Escoteiro com muito orgulho.
Rogério
Joaquim Sarczuk me
escreveu esta carta há quase dois anos. A guardei com carinho. Rogério foi um Escoteiro
do tipo que existia no passado onde o orgulho de ser Escoteiro começava no
uniforme e terminava no amor da patrulha. Lendo hoje resolvi publicar. A ele
meu forte abraço fraterno e meu Anrê pela sua dedicação no tempo das diligências
cujo escotismo ele guarda com muito amor em seu coração.