quinta-feira, 16 de março de 2017

Apenas uma carta bem intencionada.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Apenas uma carta bem intencionada.

Guaíba, Berço da Revolução Farroupilha, 16 de maio de 2015.
Meu Caro Monitor,
Sempre Alerta!

- Nada de SAPS ou qualquer outro modismo inventado para “fazer diferente”. “Fazer a diferença” é o que devemos procurar. Somos uma família onde devemos nos destacar pela qualidade e não pela modicidade. Li os seus artigos sobre a evasão do Movimento Escoteiro e por mais que isso me doa sou obrigado a discordar do senhor.

Não há evasão do Movimento Escoteiro no Brasil pela simples razão que o mesmo já está morto, e não se pode sair de algo que não existe mais. Não tenho tanto tempo de Escotismo como o senhor, mas sou do tempo do chapelão, da calça curta, do meião, do cabo solteiro, da moeda no bolso da Boa Ação diária. Sou do tempo em que existiam Escoteiros e Chefes Escoteiros, Patrulhas, Conselho de Tropa e Corte de Honra. Sou do tempo em que durante a semana do Dia do Escoteiro atazanávamos a vida do nosso pobre chefe pelos ofícios solicitando o dispensa do uso do uniforme da escola naquela semana, para podermos ir uniformizados para a sala de aula.

Sou do tempo da malfadada frase: “O Escoteiro é uma criança vestida de idiota, comandada por um idiota vestido de criança.” Mas também sou do tempo em que “Ser Escoteiro” era motivo de orgulho. Do tempo em que aprendia a fazer nós não apenas para trocar de classe, mas para saber na hora em precisar fazer um, e fazer o certo. Do tempo em que as patrulhas faziam atividades em dias diferentes das reuniões de Grupo, para treinar e se qualificar para as especialidades, na busca de sempre estar um passo a frente das outras patrulhas. Do tempo em que o “Sistema de Patrulhas” era aplicado e não apenas um nome no rol das lembranças, onde a Bandeirola de Patrulha era cuidada, honrada e respeitada e nunca era largada no chão.

Como escreveu o senhor, do tempo da B.O.I.A. nos hasteamentos e arreamentos. E para quem não conhece a sigla significa Bandeira, Oração, Inspeção e Avisos. Lembro como o nosso GE (pequeno e um dos poucos no Estado do Rio Grande do Sul que não era patrocinado por ninguém) buscava apoio na comunidade, participava de campanhas, guarda à Pira da Pátria, ajudava na organização do desfile cívico e era conhecido e conceituado na comunidade.

Francisco Floriano de Paula e Caio Vianna Martins eram nomes conhecidos, mas como se diz aqui na minha terra, era no tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Hoje não vemos mais nada disso.

Vemos jovens que não tem motivação, pois não existe mais com que motivá-los. Escotistas (tenho horror dessa palavra) que não sabem o que é Escotismo. Cursos que são uma piada de mau gosto e taxas, taxas e mais taxas. Não se dá o devido valor aos antigos Escoteiros formando as chamadas Patrulhas Dinossauro nos GE. Não se convida os antigos membros para participar ou mesmo visitar um acampamento. E sabe por quê? Pelo simples fato de que os Escotistas de hoje tem medo de ouvir: “No meu tempo de Escoteiro era diferente!” Tem medo de ter que dar explicação para os jovens dos motivos que levaram as mudanças. Culpa deles? Não, pois nem eles mesmos sabem dos motivos, guardados a sete chaves pelos medalhões.

 No Brasil o Escotismo criado por BP não existe mais. Temos um simulacro, militarizado ou completamente solto. Uma disciplina imposta ou ignorada e não mais aquela disciplina que vinha de “dentro para fora” na medida em que íamos aprendendo o que era o Movimento Escoteiro. Tínhamos os “Escoteiros” e não como hoje “Escoteiro disso” ou “Escoteiro daquilo”. Nada contra, pois são tentativas de uma volta as origens, mas que (até onde consegui ver) não conseguiram descobrir a verdadeira origem do Escotismo ou são impedidas de praticá-lo.

O senhor listou quatro pontos: - Programa, Apresentação pessoal, Formação/qualificação do Chefe e Ouvir sempre o ponto de vista do jovem. Todos são válidos, mas se não resgatarmos a “Tradição Escoteira” e o “Escotismo de B.P.” eles de nada valerão. Se não devolvermos ao jovem o “Orgulho de ser Escoteiro” ele continuará a buscar isso em outros locais nem sempre muito recomendados.

          É inerente ao jovem participar de um agrupamento de iguais e buscar reconhecimento. B.P. identificou esse fato e criou um movimento voltado para aproveitar essa energia, esse sentimento de agregação, dando um norte e uma filosofia de vida baseada no caráter e na honra. E hoje, aqui no Brasil, foi realizado um excelente trabalho no sentido de desmantelar todo esse esforço e banalizar o termo Escoteiro a tal ponto que o jovem sente vergonha de ser identificado com Escoteiro e chegar à reunião com o seu uniforme ou aquele simulacro de uniforme adotado atualmente.

O senhor deve ter notado que não tenho participado muito das suas postagens, mas isso não significa que não estou acompanhando elas, mas sim que sei que vou acabar em uma ou outra rusga com alguém. Sou chato demais nesse ponto e para mim, quando eu fiz a minha Promessa Escoteira foi para toda a vida. E a minha promessa não foi para o que se apresenta hoje como Escotismo, mas sim para o Escotismo de Baden Powell que estava em espírito representado na foto colorida sobre a mesa, entre o machado no tronco de Gilwell e a vela votiva com a promessa.

Deixo aqui o meu (considerado arcaico) Sempre Alerta e os meus votos de força e perseverança nessa sua jornada, a qual com certeza eu não escolheria por causa de meu pavio curto.
Um Velho Escoteiro com muito orgulho.



Rogério Joaquim Sarczuk me escreveu esta carta há quase dois anos. A guardei com carinho. Rogério foi um Escoteiro do tipo que existia no passado onde o orgulho de ser Escoteiro começava no uniforme e terminava no amor da patrulha. Lendo hoje resolvi publicar. A ele meu forte abraço fraterno e meu Anrê pela sua dedicação no tempo das diligências cujo escotismo ele guarda com muito amor em seu coração.