Conversa
ao pé do fogo.
Pisando
nas trilhas do passado.
Chico Bolha me procurou na
oficina de meu pai. Fora da escola dava meus pulos consertando rádios à moda
antiga. “Quase Miúcha”. “Quase nada”. Biscates para ter um trocado no fim de
semana. Era bom na graxa. Tinha minha caixa para ganhar uns trocados na
estação. Tanto faz sapatos de donzelas, como botas de meio metro e botinas da
turma da roça. Quando o vi sabia que era assunto novo. No domingo chegamos da
jornada a Resplendor de bicicleta, portanto não era nada a respeito do próximo
acampamento do mês de maio.
- Corra! Ele disse. Tem um
escoteiro novo no pedaço! – Novo? De onde? – Não sei, vamos lá na sede
averiguar. Periquito o lobinho mor da alcateia o levou para lá. Já avisei meio
mundo escoteiro! Meu pai estava chegando, acenei e parti como um bólido para a
sede. E Sabrina? Não fiquei de vigiar sua janela naquele dia? Ela sabia que eu
estaria lá. Iria jogar o cabelo loiro para um lado e outro dar um sorriso, um
sinalzinho de xau-xau e fechar a janela novamente. Namoro antigo, mais de dois
meses. Pensava que estava na hora de noivar.
Chico Bolha suava. Sempre
foi assim. Construtor de Pioneirias parecia estar morrendo quando cortava um
bambu, media uma vez duas, olhava calculava e lá vinha com o socador para
firmar a viga de duas polegadas que iria sustentar sete patrulheiros dos bons
nos bancos toscos que ele fazia. Na esquina da Sete de Setembro Papa-léguas o
Monitor chegou espavorido com sua Philipps vermelha presente de sua avó no seu
aniversário. A sede tava cheia. Uns vinte e cinco escoteiros e uns vinte e dois
lobinhos. Sênior não. Todos trabalhando àquela hora.
- Ele estava sentado na
ponta do círculo embaixo do Abacateiro. Vermelho, eu vi que estava assustado.
Todos perguntando e ele gaguejando para responder. Sentei perto dele.
Papa-léguas apertou sua mão. Girson da Silva seu irmão escoteiro disse com voz
forte. Monitor da Patrulha Lobo e Guia da Tropa Escoteira! O desconhecido
sorriu. Estava fardado com uniforme do ar. Todo azulado e distintivo para dar e
vender. Nunca tinha visto. Ele gaguejando respondeu: - Gilbert Shuatz,
Escoteiro do Rio de Janeiro!
O circulo chegou mais a
frente, queriam ficar mais próximo e ouvir o Escoteiro do Rio. Era sempre uma
festa quando recebíamos a visita de um. No ano passado cinco da Bahia passaram
por lá. Foi demais. Um foi dormir e comer na minha casa. Mamãe sempre alegre
com os visitantes. Ficaram seis dias e foram para São Paulo. Todos de olhos
fixos no uniforme do Escoteiro do Rio. Calça azul, camisa mescla azul clara,
meiões pretos, boina tipo Montgomery linda de morrer! E os distintivos? Cada um
mais bonito que o outro. O das asas com a flor de lis parecia ouro puro!
Aos poucos foi tomando
coragem. – Moro em frente à praia do Arpoador (ninguém tinha a menor ideia do
que era a tal praia). Sou Escoteiro do Ar, meu pai tem um Teco-Teco e me
ensinou a dirigir o “Monstro”. Ele é Comandante e piloto na Panair do Brasil. –
Estávamos embasbacados. Contou que acampou na Inglaterra, na Alemanha e nos
Estados Unidos. Tinha mais de dois mil distintos na sua coleção! Demais. Um
autentico acampador. Ficamos lá ouvindo por horas.
Papa-Léguas me chamou, chamou
Lagoa Santa o Sub, Nariz longo o intendente, Fumanchu o Cozinheiro e Chico
Bolha o Construtor. – Precisamos receber o Menino escoteiro do Rio com honras.
Pensei em improvisarmos uma subida no Pico do Ibituruna para ele ver nossa
cidade e nossos locais de acampamento. – Lagoa Santa concordou. - Nariz Longo
disse que ele era novo. Será que ia aguentar? Voltamos para o circulo. Fizemos
o convite. Ele respondeu que ia conversar com Sua Avó onde estava hospedado.
O Escoteiro do Rio era o
“causo” do dia. Todos procurando Papa-Léguas para ir também. Seniores,
escoteiros, lobinhos e até o Balu disse que iria. Até no domingo passeamos com
ele na cidade, um banho na Ilha dos Araújo no Rio Doce, comer Ingá que dava aos
montes na ponta da ilha. – O dia chegou. Sábado sete da noite todo mundo na
sede. Um mundão de gente. Mais de quarenta para acompanhar o Escoteiro do Rio
até o Pico do Ibituruna.
Até atravessarmos a Ponte de
São Raimundo na Rio Bahia tudo bem. Na subida a cantoria empastou o Riacho que
passava ao lado, as arvores pequenas pareciam acompanhar. Vi que o Escoteiro do
Rio bufava. Vi logo que não estava acostumado. Seis quilômetros de subida.
Íngreme. E eis que fomos pego de surpresa. Um trovão um raio esbravejou no ar.
Coisa comum, coisa que a gente nem ligava, mas o Escoteiro do Rio não. Começo a
chorar e como chorava! – Eu quero Mamãe, eu quero mamãe! Deus do céu! O que era
aquilo? Foi então que contou que era lobinho, tinha nove anos e seu pai o
presenteou com o uniforme.
Foi demais. Como bons
escoteiros respeitamos seu choro. Nada de ficar gozando seu medo. Pensávamos
que era um super escoteiro do ar, mas era um lobinho “piquitito” da Selva de
Seeonee. Nunca fez atividade nunca acampou. Estava morrendo de medo e cansado.
Distribuímos sua mochila entre nós, uma turma seguiu para o pico e eu Chico
Bolha e Papa- Léguas voltamos com ele. Seus olhos cheio de lágrimas chorava de
fazer dó.
Uma semana depois ele
foi embora. Fui até a Rodoviária e dei nele um abraço. Chico Bolha apertou sua
mão. Papa-Léguas o aconselhou a não mais mentir. – Sua hora vai chegar, é só
aguardar! Disse. Nunca mais ouvi falar no Escoteiro do Rio. Fico pensando onde
ele está agora, deve estar com seus sessenta e tantos anos. E a vida continuou.
Ainda as terças ia até a Rua Peçanha para ver Sabrina na janela dando adeusinho
para mim. Um dia ela sumiu, mudou de cidade. Curei minhas dores nos
acampamentos e excursões escoteiras que vinham em primeiro lugar. Tempos bons... Tempos que não voltam mais!
Nota - Uma festa. O Escoteiro do Rio
chegou à cidade. A escoteirada batia palmas. Ele se sentindo pomposo, um herói um
explorador das Minas Gerais. Foi bem recebido, amado e ficamos horas ouvindo
suas histórias. Aconteceu, foi verdade. Depois a decepção, não era o que pensávamos.
Nunca o esquecemos e o tratamento aos visitantes escoteiros continuou a ser o
melhor do mundo! E acredite se quiser... Risos.