A embriaguez da primavera.
Parte II.
A
EMBRIAGUEZ DA PRIMAVERA “
“O
homem ao homem! É o desafio do Jângal!
Já
parte aquele que foi nosso irmão.
Ouvi,
então, julgai, ó vós, gente da Jângal
Respondei:
quem irá detê-lo então?
O
homem ao homem! Ele soluça na Jângal!
O
nosso irmão se aflige dos males supremos.
O
homem ao homem! Nós os amamos na Jângal!
Esta
é o sua trilha e nós não mais o seguiremos.
Do
Livro da Jângal de Rudyard Kipling.
– Dorme, disse a mulher. Foi algum chacal que uivou para os cães.
Escondido nos arbustos, Mowgly tremeu. Aquela voz, ele a conhecia. Mas para
melhor se certificar, gritou baixinho, surpreso de ver como a língua dos homens
lhe vinha fácil:
– Messua! Messua! - Quem chama? A mulher indagou com voz trêmula.
– Nathoo! Respondeu Mowgly, pois fora esse o nome que lhe dera Messua
quando o encontrou pela 1ª vez. - Vem meu filho. Ela o acolheu, deu-lhe de
beber e comer e apresentou-lhe o irmãozinho. Cansado Mowgly deitou-se e
mergulhou em profundo sono.
Quando acordou Messua sorriu e serviu-lhe outra refeição. Nesse
instante irmão Gris chamou-o lá fora. Era hora de ir. Messua pôs-se ao lado de
Mowgly humildemente ele era realmente um Deus da Jângal, mas quando o viu abrir
a porta para sair, a mãe que havia dentro dela a fez abraça-lo várias vezes.
– Volta outra vez, repetiu Messua. De dia ou de noite, esta casa
estará sempre de porta aberta pra ti. A garganta de Mowgly apertou-se. Sua voz
parecia como que arrancada à força quando respondeu: Sim, voltarei! -E agora,
murmurou depois que saiu, tenho minhas contas a ajustar contigo, irmão Gris.
Por que vós quatro não viestes quando vos chamei, há tanto tempo? – Tanto
tempo? Foi ontem, eu... Nós estávamos cantando no Jângal os novos cantos,
porque o tempo das falas novas é chegado. Não te lembras? -É verdade, é
verdade...
E logo depois dos cantos, segui teu rastro. Passei à frente dos outros
e vim até aqui. Mas, ó irmãozinho, que te aconteceu que estás de novo comendo e
dormindo na alcateia dos homens? - Se tivesses vindo quando te chamei, isto
nunca se daria, respondeu Mowgly, apressando o passo.
E agora como será? - Perguntou o lobo. - Mowgly ia responder, quando
uma mocinha trajada de branco surgiu no caminho que levava À aldeia. Mowgly
segui-a com os olhos por entre os talos de milho até que seu vulto se perdeu ao
longe. -E agora? Agora não sei... Respondeu finalmente, suspirando. Porque não
vieste quando te chamei? Nós te seguimos, murmurou o lobo. Nó te seguimos
sempre, exceto no tempo das falas novas.
-E me seguireis na alcateia dos homens também? - -Não o fizemos na
noite em que os de Seeonee te expulsaram do bando? Quem te despertou quando
dormias nas roças? -Sim, mas me seguireis de novo.
– Não te segui eu esta noite? – Mas me seguireis sempre, sempre,
sempre e outra vez, outra vez e outra vez, irmão Gris? O lobo calou-se por uns
instante. Quando abriu a boca foi para dizer a si próprio: - A pantera negra
falou verdade... ... Que o homem volta sempre para o homem, no fim Raksha,
nossa mãe, também disse. E Akelá também na noite do ataque dos Dholes,
acrescentou Mowgly. E também Kaa, a serpente da rocha, que possui mais
sabedoria do que todos nós.
-E tu irmão gris, que desses tu? Eles já te expulsaram uma vez. Eles
te feriram nos lábios com pedra. Eles mandaram Buldeo matar-te. Eles queriam
lançar-te na flor vermelha. Tu e não eu, disseste que eles eram muito maus e
insensatos. Tu, e não eu, eu sigo meu próprio povo, foste admitido no Jângal
por causa deles. Tu, não eu compuseste cantos contra eles, ainda mais amargos
que os nossos contra cães vermelhos.
– Para! Que estás dizendo? O lobo gris ficou uns instante calado,
depois falou: – Filhote de homem, senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão
de caverna: embora eu fraqueie nas primaveras, o teu caminho é o meu caminho, o
teu antro é o meu antro, a tua caça é a minha caça e a tua luta de morte é a
minha luta de morte. Falo por mi e pelos outros três. Mas que irás dizer ao
Jângal?
Bem pensado. Vai e reúne o conselho na Roca, que quero dizer a todos o
que tenho no coração, mas talvez não compareçam: no tempo das falas novas todos
se esquecem de mim... – Só isso? Perguntou o lobo Gris, pondo-se em marcha. Em
qualquer outra estação aquela novidade teria reunido na Roca o povo inteiro do
Jângal; mas era o tempo das falas novas e andavam todos dispersos, caçando,
matando. Para um e para outro, corria o lobo Gris com a nova: – O senhor do
Jângal volta para os homens! Vamos a Roca do Conselho!
E ruidosos e felizes os animais respondiam: – Retornará nos calores de
verão. Vem cantar conosco. – Mas o senhor do Jângal volta para os homens,
repetia. – E daí! O tempo das falas novas perde alguma coisa com isso? Desse
modo, quando Mowgly, de coração pesado chegou à Roca, onde anos atrás fora
trazido ao conselho, apenas encontrou lobos irmãos, Baloo, que já estava quase
cego e a pesada Kaa enrodilhada sobre a pedra de Akelá, ainda vaga.
– Termina então aqui o teu caminho, homenzinho? Perguntou a serpente,
logo que Mowgly se sentou. Grita o teu grito! Somos do mesmo sangue, eu e tu,
homens e serpentes!
– Porque não morri nas garras dos dholes, gemeu Mowgly. Minha força
esvaiu- se e não foi veneno. Dia e noite ouço um passo duplo no meu caminho.
Quando volto à cabeça sinto que alguém se esconde atrás de mim. Procuro por
toda parte atrás dos troncos, atrás das pedras, e não encontro ninguém. Chamo e
não tenho resposta, mas sinto que alguém me ouve e se guarda de responder. Se
me deito, não consigo descanso. Corria corrida da primavera e não sosseguei.
Continua...
Nota: - “É
difícil trocar a pele”, disse Kaa [a serpente], enquanto Mogli soluçava e
soluçava com sua cabeça no dorso do urso cego, e com os braços ao redor do seu
pescoço, enquanto Balu tentava debilmente lamber seus pés. - Parte II do Conto
A Embriaguez da Primavera do Livro da Selva. Amanhã a Parte III. A última.