quarta-feira, 19 de julho de 2017

Deixe o frio me levar.


Conversa ao pé do fogo.
Deixe o frio me levar.

                       Tem gente que gosta tem gente que não. Eu por exemplo nunca me adaptei a ele. Fiz escotismo em terra quente, calor gostoso e o frio não era assim tão frequente. Mas hoje não. Tem vez que o frio é de lascar. Vem com tudo, não perdoa. Entra pelas fresas das janelas, por baixo da porta e sem um bom aquecedor você só tem uma solução se enrolar em tudo que é felpudo. Aqui em Sampa passei por gostosas fases de frio em acampamentos. E quem não passou?

                      Mas olhe de todos os acampamentos friorentos eu tive um que nunca esqueci. Foi demais. Por volta de 1970 eu era Comissário Regional em Minas, DCB (Diretor de curso Básico) e empolgado em dar uma guinada no crescimento quantitativo e qualitativo no escotismo estadual. Não media sacrifícios. Viaja por cidades, por arraiais, de ônibus, de bicicleta, de carro de amigos, pois eu não tinha. Quem pode contar aquelas divertidas viagens nunca vai esquecer. Lembranças do meu amigo Marcial e Vander. Este último um companheirão com sua Rural cruzando estrada de terra asfalto e até abrindo trilhas por onde muitos juravam que ele não iria passar.

                     O Sul de Minas naquela época era pobre em grupo escoteiro. Acreditava que se organizasse um bem estruturado em alguma cidade de lá tudo poderia evoluir melhor. Escolhemos uma que mesmo não sendo central tinha tudo para ser um polo escoteiro no futuro. Havia interesse das autoridades, de pessoas bem relacionadas no meio educacional e assim começamos a visitá-la, dando palestras, cursos preliminares, Indabas e o Grupo começou a dar seus primeiros passos. Deixo aqui em OF o nome da cidade e do grupo assim como seus chefes e colaboradores.

                     Os voluntários já preparados precisavam de um cursos Básico de Lobo e Escoteiro. A cidade não tinha estrutura para montar um curso no campo como se previa. O de lobo sim, mas o de escoteiro não. Naquela época os CABs eram ainda aplicados em cinco dias em regime de campo. Nós tínhamos na região um material razoável. Poderia ser no Zoológico ou então em outro próximo a capital, distante uns 120 km, área muito boa, pertencente ao estado e que estava sempre a nossa disposição.

                     Montamos o curso em julho de 1970 ou 71 não me lembro bem. Tive a sorte de contar com o Chefe Padre João Fagundes DCIM (falecido) de Juiz de fora na equipe. Sem esquecer o Blair o Wander e mais dois IMs. Sem comentários os preparativos e as inscrições. Vieram do grupo em formação dezoito e mais doze de outras cidades. O curso começou de vento em popa. Havia um senão, um frio de rachar e nossas barracas eram feitas de Paraquedas, boas para chuva, mas péssimas para segurar o frio.

                     No terceiro dia a temperatura caiu para mais ou menos quatro graus negativos. Ensinamos e mostramos como fazer um fogo espelho e na chefia fizemos um como exemplo. Quem já fez sabe que ele é sensacional e mantem a barraca quente por toda noite. Algumas patrulhas fizeram seu fogo espelho duas não. Eram exatamente a maioria daquela cidade do sul de Minas. Na manhã do quarto dia, quando da alvorada as seis, notamos que os chefes da cidade em questão não compareceram a chamada para a física. Foi então que soubemos que eles pela madrugada se foram.

                   Motim? Revolta? Eu nunca tinha ouvido falar nisto. Abandonar um curso de Chefes? Não desistimos e o curso continuou. Para completar duas Patrulhas os dois IMs se ofereceram para participar como cursantes. Sei que passar a noite em uma barraca sem a devida proteção não é fácil. O curso até que foi razoável. Temperatura abaixo de zero sempre. Mas as dificuldades são para nos ensinar ou para fugir? Fiquei nos primeiros dias descontente e contrariado, mas havia outros que precisavam de ânimo e a equipe não fugiu a sua responsabilidade.

                   Uma semana depois nos mandaram uma carta explicativa. Sei que tudo foi obra do novo Comissário Distrital um Diretor de um colégio local que não estava preparado para a vida de campo. Peguei o ônibus em uma sexta à noite e fui lá. Valeu. Eles estavam abatidos, avergonhados e arrependidos. Isto não desanimou a ninguém. Quatro meses depois fizemos outro curso. Tempo mais quente e curso quente demais. O Grupo cresceu e se tornou um distrito modelo. O tempo passou. Sei que lá ainda existe não só um, mas dois grupos irmãos.

                   Aprendi muito nos meus cursos do passado, onde valia mais a amizade e compreensão do que a exigência de uma norma que muitos acreditam existir para viver e participar de cursos escoteiros. Quantas vezes nestes cursos ficávamos até meia noite, uma da manhã em volta de uma fogueira conversando sobre escotismo? Quantas vezes mudamos o programa por descobrir outra fórmula para aprender fazendo? E quando os cursos chegavam ao fim, em carreata íamos para uma pizzaria ou um boteco tomar umas cervejas e contar causos e causos?


                   Pois é. Eram outros tempos. Dávamos valor à fraternidade, a simplicidade de um Diretor de Curso e um aluno ainda desabrochando para o escotismo. E o frio? Puxa vida! Mata do Tenente, Vale do Sino, Serra da Piedade, Serra do Cipó, Pico dos Marins, Caparaó, Itatiaia e aqui em Sampa São Lourenço da Serra Sitio da Viúva, Mata da Anhanguera, Serra do Mar, quantas saudades. Contavam que muitos pela manhã não conseguiam lavar o rosto. Tudo gelo. Quem esteve lá sabe como foi. Risos.             

nota  - O frio está de rachar. Eu não gosto de frio. Vivi aventuras enormes acampando com temperaturas baixas. Muitas abaixo de zero. Hoje não. Resolvi escrever uma das minhas histórias verídicas. Boas lembranças. E você? Não tem nenhuma história de acampamento com frio abaixo de zero para nos contar? Se tiver comente. Afinal nós escoteiros sempre temos uma história para contar.