Conversa ao
pé do fogo.
Deixe o frio
me levar.
Tem gente que gosta tem
gente que não. Eu por exemplo nunca me adaptei a ele. Fiz escotismo em terra
quente, calor gostoso e o frio não era assim tão frequente. Mas hoje não. Tem
vez que o frio é de lascar. Vem com tudo, não perdoa. Entra pelas fresas das
janelas, por baixo da porta e sem um bom aquecedor você só tem uma solução se
enrolar em tudo que é felpudo. Aqui em Sampa passei por gostosas fases de frio em
acampamentos. E quem não passou?
Mas olhe de todos os acampamentos friorentos
eu tive um que nunca esqueci. Foi demais. Por volta de 1970 eu era Comissário
Regional em Minas, DCB (Diretor de curso Básico) e empolgado em dar uma guinada
no crescimento quantitativo e qualitativo no escotismo estadual. Não media sacrifícios.
Viaja por cidades, por arraiais, de ônibus, de bicicleta, de carro de amigos,
pois eu não tinha. Quem pode contar aquelas divertidas viagens nunca vai
esquecer. Lembranças do meu amigo Marcial e Vander. Este último um companheirão
com sua Rural cruzando estrada de terra asfalto e até abrindo trilhas por onde
muitos juravam que ele não iria passar.
O Sul de Minas naquela
época era pobre em grupo escoteiro. Acreditava que se organizasse um bem estruturado
em alguma cidade de lá tudo poderia evoluir melhor. Escolhemos uma que mesmo
não sendo central tinha tudo para ser um polo escoteiro no futuro. Havia
interesse das autoridades, de pessoas bem relacionadas no meio educacional e
assim começamos a visitá-la, dando palestras, cursos preliminares, Indabas e o Grupo
começou a dar seus primeiros passos. Deixo aqui em OF o nome da cidade e do
grupo assim como seus chefes e colaboradores.
Os voluntários já preparados precisavam de um
cursos Básico de Lobo e Escoteiro. A cidade não tinha estrutura para montar um
curso no campo como se previa. O de lobo sim, mas o de escoteiro não. Naquela
época os CABs eram ainda aplicados em cinco dias em regime de campo. Nós tínhamos
na região um material razoável. Poderia ser no Zoológico ou então em outro próximo
a capital, distante uns 120 km, área muito boa, pertencente ao estado e que estava
sempre a nossa disposição.
Montamos o curso em julho
de 1970 ou 71 não me lembro bem. Tive a sorte de contar com o Chefe Padre João
Fagundes DCIM (falecido) de Juiz de fora na equipe. Sem esquecer o Blair o
Wander e mais dois IMs. Sem comentários os preparativos e as inscrições. Vieram
do grupo em formação dezoito e mais doze de outras cidades. O curso começou de
vento em popa. Havia um senão, um frio de rachar e nossas barracas eram feitas
de Paraquedas, boas para chuva, mas péssimas para segurar o frio.
No terceiro dia a
temperatura caiu para mais ou menos quatro graus negativos. Ensinamos e
mostramos como fazer um fogo espelho e na chefia fizemos um como exemplo. Quem
já fez sabe que ele é sensacional e mantem a barraca quente por toda noite.
Algumas patrulhas fizeram seu fogo espelho duas não. Eram exatamente a maioria
daquela cidade do sul de Minas. Na manhã do quarto dia, quando da alvorada as
seis, notamos que os chefes da cidade em questão não compareceram a chamada para
a física. Foi então que soubemos que eles pela madrugada se foram.
Motim? Revolta? Eu nunca
tinha ouvido falar nisto. Abandonar um curso de Chefes? Não desistimos e o
curso continuou. Para completar duas Patrulhas os dois IMs se ofereceram para
participar como cursantes. Sei que passar a noite em uma barraca sem a devida
proteção não é fácil. O curso até que foi razoável. Temperatura abaixo de zero
sempre. Mas as dificuldades são para nos ensinar ou para fugir? Fiquei nos
primeiros dias descontente e contrariado, mas havia outros que precisavam de
ânimo e a equipe não fugiu a sua responsabilidade.
Uma semana depois nos mandaram
uma carta explicativa. Sei que tudo foi obra do novo Comissário Distrital um
Diretor de um colégio local que não estava preparado para a vida de campo.
Peguei o ônibus em uma sexta à noite e fui lá. Valeu. Eles estavam abatidos,
avergonhados e arrependidos. Isto não desanimou a ninguém. Quatro meses depois
fizemos outro curso. Tempo mais quente e curso quente demais. O Grupo cresceu e
se tornou um distrito modelo. O tempo passou. Sei que lá ainda existe não só um,
mas dois grupos irmãos.
Aprendi muito nos
meus cursos do passado, onde valia mais a amizade e compreensão do que a exigência
de uma norma que muitos acreditam existir para viver e participar de cursos
escoteiros. Quantas vezes nestes cursos ficávamos até meia noite, uma da manhã
em volta de uma fogueira conversando sobre escotismo? Quantas vezes mudamos o
programa por descobrir outra fórmula para aprender fazendo? E quando os cursos
chegavam ao fim, em carreata íamos para uma pizzaria ou um boteco tomar umas
cervejas e contar causos e causos?
Pois é. Eram outros tempos.
Dávamos valor à fraternidade, a simplicidade de um Diretor de Curso e um aluno
ainda desabrochando para o escotismo. E o frio? Puxa vida! Mata do Tenente, Vale
do Sino, Serra da Piedade, Serra do Cipó, Pico dos Marins, Caparaó, Itatiaia e
aqui em Sampa São Lourenço da Serra Sitio da Viúva, Mata da Anhanguera, Serra do
Mar, quantas saudades. Contavam que muitos pela manhã não conseguiam lavar o
rosto. Tudo gelo. Quem esteve lá sabe como foi. Risos.
nota - O frio está de rachar. Eu não gosto de
frio. Vivi aventuras enormes acampando com temperaturas baixas. Muitas abaixo
de zero. Hoje não. Resolvi escrever uma das minhas histórias verídicas. Boas
lembranças. E você? Não tem nenhuma história de acampamento com frio abaixo de
zero para nos contar? Se tiver comente. Afinal nós escoteiros sempre temos uma
história para contar.