domingo, 23 de julho de 2017

Se arrependimento matasse...


Se arrependimento matasse...
Todo mundo sempre tem uma história para contar.

                      Nestes dias friorentos não tenho tido ideias para escrever. Tenho quatro contos iniciados e nenhum terminado e outros para serem melhorados. Vamos ver se a partir de segunda as ideias aparecem, pois se não meu estoque vai acabar. Quando as histórias surgem elas vem aos borbotões. Fico animado. Escrevo sem parar. Hoje fiquei sentado em frente a esta maquinha infernal e depois de duas horas vi que meu traseiro pediu para levantar e ir andar. Começou a doer. Ele não me dá ordens, mas me lembrei de um fato que tive pena dele. Não foi fácil e apesar de que todos nós escoteiros temos espírito de aventura sempre sonhamos com alguma coisa diferente e quando acontece o arrependimento bate forte. Nas novelas, nos livros que lemos a realidade é bem diferente.

                     Eu tive a felicidade de ser gerente de uma fazenda no norte de Minas. Foi a melhor época de minha vida e da família. Ar puro, dois rios ribeirinhos, uma imensidão de terra e dez mil cabeças de gado para cuidar. Dormia às sete da noite e levantava às cinco da manhã. Um ano que labutava naquela lida e fiquei sabendo que um fazendeiro próximo tinha uma “vacada” Nelore para vender. O preço convidativo. Aconteceu de o diretor passar um fim de semana conosco. Autorizou. De carro fui conhecer a boiada. Vi que valia a pena comprar. A seca andava forte na região por isso o preço mínimo. Tínhamos ainda bons pastos e muitos silos de ração. Depois de adquirirem peso ganharíamos um bom dinheiro. Comecei a pensar a grande aventura que seria de levar um gado a grandes distâncias. Tinha lido muito sobre isto.

                   Manezinho o Chefe dos Vaqueiros desaconselhou. – Se o senhor contratar uns seis caminhões em menos de seis horas eles estarão aqui na fazenda. Trazer uma boiada hoje não é fácil. Vamos demorar uns cinco dias. – Seu Osvardo, o senhor já reclama de ficar em uma sela por mais de duas horas pense que serão mais de cinco dias. São mais de 170 quilômetros. Não adiantou. Minha vida de escoteiro não podia deixar de lado aquela aventura que nunca tinha feito. Organizamos tudo. A boiada não era grande. Umas duzentas e oitenta cabeças. Raimundinho que morava na beira do rio das Velhas disse conhecer uma picada que poderia diminuir em mais de oito léguas a viagem. Ele entrou na “comitiva”. Éramos seis. Sarduá disse que tinha experiência de rancho. Iria ser o cozinheiro. Um dia e meio estaríamos na fazenda do Arlindo. Mandei avisar de nossa chegada. Em dois dias estaríamos retornando com a vacada.

                   Saímos da fazenda com as mulheres e filhos dando adeus. Sentia-me importante. Eu tinha uma égua que nos dávamos muito bem. Até hoje não me esqueço da Ventania. Todo “posudo” dei adeus para a Celia e os meninos. Foram dias no lombo da égua. Meus amigos, a aventura se transformou em um pesadelo. Um dia abotoado em uma sela dura foi à conta. O trazeiro doía horrivelmente. Fiquei de bico calado, mas a vaqueirada ria a valer. Na volta pensei que não aguentaria. Foram mais três dias e meio de suplício para retorno. Virava o trazeiro para um lado, virava para outro e nada. Forrei a sela com minha manta, fiz um travesseiro de capim, mas não adiantava. Quando atravessamos a porteira da fazenda gritei para o Manezinho para prender o gado na curralama da larguinha. – Amanhã vamos fazer o que precisamos disse.


                  Tomei um banho, e fui direto para a cama. Dormi gemendo deitado de bruços com o trazeiro para cima. Celia passando água com sal. Foram quatro dias de sofrimento. Mas não dizem que devemos aprender a fazer fazendo? Risos. Até que sim, mas eu nunca mais iria inventar moda. Dizem que para ser um vaqueiro ou cavaleiro é preciso criar calo na “bunda”. Três anos depois os calos apareceram. Me adaptei a andar a cavalo sem nunca mais reclamar.  Chega por hoje, um dia conto mais, pois tenho histórias de lá para dar e vender. Eita vida gostosa da boa. Dois rios, o Das Velhas e o Velho Chico, peixes, carne, plantações e o ar puro que me ajudou muito na minha vida ontem e hoje. Enfim nada que é bom dura para sempre e eis que o destino me trouxe a São Paulo. Acho que aqui ficarei até o meu fim.

nota: - Procurei um conto escoteiro para publicar. Tinha alguns, mas não eram tão bons para tão exigentes leitores que passam longe de um comentário. Assim peguei nas minhas páginas da vida um conto real, nada escoteiro de um dos meus melhores tempos neste mundo de Deus. Cinco anos em uma fazenda. Cinco anos de felicidade. E são tantas histórias para contar...