Se
arrependimento matasse...
Todo mundo
sempre tem uma história para contar.
Nestes dias friorentos
não tenho tido ideias para escrever. Tenho quatro contos iniciados e nenhum
terminado e outros para serem melhorados. Vamos ver se a partir de segunda as
ideias aparecem, pois se não meu estoque vai acabar. Quando as histórias surgem
elas vem aos borbotões. Fico animado. Escrevo sem parar. Hoje fiquei sentado em
frente a esta maquinha infernal e depois de duas horas vi que meu traseiro
pediu para levantar e ir andar. Começou a doer. Ele não me dá ordens, mas me
lembrei de um fato que tive pena dele. Não foi fácil e apesar de que todos nós
escoteiros temos espírito de aventura sempre sonhamos com alguma coisa
diferente e quando acontece o arrependimento bate forte. Nas novelas, nos
livros que lemos a realidade é bem diferente.
Eu tive a felicidade de
ser gerente de uma fazenda no norte de Minas. Foi a melhor época de minha vida
e da família. Ar puro, dois rios ribeirinhos, uma imensidão de terra e dez mil
cabeças de gado para cuidar. Dormia às sete da noite e levantava às cinco da
manhã. Um ano que labutava naquela lida e fiquei sabendo que um fazendeiro
próximo tinha uma “vacada” Nelore para vender. O preço convidativo. Aconteceu
de o diretor passar um fim de semana conosco. Autorizou. De carro fui conhecer
a boiada. Vi que valia a pena comprar. A seca andava forte na região por isso o
preço mínimo. Tínhamos ainda bons pastos e muitos silos de ração. Depois de
adquirirem peso ganharíamos um bom dinheiro. Comecei a pensar a grande aventura
que seria de levar um gado a grandes distâncias. Tinha lido muito sobre isto.
Manezinho o Chefe dos
Vaqueiros desaconselhou. – Se o senhor contratar uns seis caminhões em menos de
seis horas eles estarão aqui na fazenda. Trazer uma boiada hoje não é fácil.
Vamos demorar uns cinco dias. – Seu Osvardo, o senhor já reclama de ficar em
uma sela por mais de duas horas pense que serão mais de cinco dias. São mais de
170 quilômetros. Não adiantou. Minha vida de escoteiro não podia deixar de lado
aquela aventura que nunca tinha feito. Organizamos tudo. A boiada não era
grande. Umas duzentas e oitenta cabeças. Raimundinho que morava na beira do rio
das Velhas disse conhecer uma picada que poderia diminuir em mais de oito
léguas a viagem. Ele entrou na “comitiva”. Éramos seis. Sarduá disse que tinha experiência
de rancho. Iria ser o cozinheiro. Um dia e meio estaríamos na fazenda do
Arlindo. Mandei avisar de nossa chegada. Em dois dias estaríamos retornando com
a vacada.
Saímos da fazenda com as
mulheres e filhos dando adeus. Sentia-me importante. Eu tinha uma égua que nos
dávamos muito bem. Até hoje não me esqueço da Ventania. Todo “posudo” dei adeus
para a Celia e os meninos. Foram dias no lombo da égua. Meus amigos, a aventura
se transformou em um pesadelo. Um dia abotoado em uma sela dura foi à conta. O
trazeiro doía horrivelmente. Fiquei de bico calado, mas a vaqueirada ria a
valer. Na volta pensei que não aguentaria. Foram mais três dias e meio de
suplício para retorno. Virava o trazeiro para um lado, virava para outro e
nada. Forrei a sela com minha manta, fiz um travesseiro de capim, mas não
adiantava. Quando atravessamos a porteira da fazenda gritei para o Manezinho
para prender o gado na curralama da larguinha. – Amanhã vamos fazer o que
precisamos disse.
Tomei um banho, e fui direto
para a cama. Dormi gemendo deitado de bruços com o trazeiro para cima. Celia
passando água com sal. Foram quatro dias de sofrimento. Mas não dizem que
devemos aprender a fazer fazendo? Risos. Até que sim, mas eu nunca mais iria
inventar moda. Dizem que para ser um vaqueiro ou cavaleiro é preciso criar calo
na “bunda”. Três anos depois os calos apareceram. Me adaptei a andar a cavalo
sem nunca mais reclamar. Chega por hoje,
um dia conto mais, pois tenho histórias de lá para dar e vender. Eita vida
gostosa da boa. Dois rios, o Das Velhas e o Velho Chico, peixes, carne,
plantações e o ar puro que me ajudou muito na minha vida ontem e hoje. Enfim
nada que é bom dura para sempre e eis que o destino me trouxe a São Paulo. Acho
que aqui ficarei até o meu fim.
nota: - Procurei um conto escoteiro para
publicar. Tinha alguns, mas não eram tão bons para tão exigentes leitores que passam
longe de um comentário. Assim peguei nas minhas páginas da vida um conto real,
nada escoteiro de um dos meus melhores tempos neste mundo de Deus. Cinco anos
em uma fazenda. Cinco anos de felicidade. E são tantas histórias para contar...