sexta-feira, 3 de julho de 2015

A história do Parque de Giwell (Gilwell Park)


Conversa ao pé do fogo.
A história do Parque de Giwell (Gilwell Park)

Na história do Escotismo, o Parque de Gilwell e a Insígnia de Madeira têm um lugar de destaque pela sua longevidade e importância no Movimento. O parque é um local místico que todos os Escoteiros procuram visitar quando vão à Inglaterra, sempre repletos de jovens e adultos nas mais diversas atividades. Foi aqui que surgiu a Insígnia de Madeira, no curso de formação de dirigentes que, entretanto, se espalhou pelo mundo. Este artigo é dedicado aos chefes Escoteiros e porque não aos demais jovens escoteiros cuja curiosidade ainda não está satisfeita.

Um nome
O mais antigo registro de terras pertencentes ao Parque de Gilwell (ou Gilwell, como se escrevia antigamente) remonta a 1407, quando faziam parte da Paróquia de Waltham Abbey. O seu proprietário era John Crow, que chamava às suas terras “Gyldiefords”. As terras mudaram de dono poucos anos mais tarde e, como era hábito na época, o novo dono (Richard Rolfe) alterou o nome das terras para “Gillrolfes”, usando o seu próprio apelido. O prefixo “Gill” vem de uma palavra do inglês antigo que significava vale ou depressão. Pouco depois da morte de Richard Rolfe, em 1422, as terras foram separadas em dois campos, conhecidos como Great Gilwell e Little Gilwell. O sufixo “well” vem do inglês antigo “wella”, que significava nascente ou ribeiro. Assim, Gilwell seria um vale com uma nascente ou ribeiro.

Um parque com história
Ao longo dos vários séculos, as terras que hoje constituem o Parque de Gilwell mudaram de proprietário diversas vezes, tendo sido agregadas e divididas muitas vezes. Na década de 1730, as terras de Gilwell foram guarida para um mítico salteador inglês, Dick Turpin. Em 1793, a família Chinnery mudou-se para Gilwell, tendo sido os mais importantes ocupantes do parque. Esta família era um modelo da alta sociedade londrina, dinâmicos, enérgicos e ligados às artes. William Chinnery, um jovem ambicioso com um rápido sucesso profissional, foi agregando à propriedade outros terrenos ao redor que iam aparecendo para venda. Margaret Chinnery transformou os terrenos em magníficos jardins e decorou o edifício principal a rigor, organizando frequentemente serões, chamando, assim, as atenções da alta sociedade. Até os membros da família real eram frequentadores de Gilwell, como o Rei Jorge III, o Príncipe Regente e o Duque de Cambridge. Em 1812, foram descobertos os estratagemas fraudulentos que William Chinnery usava para desviar enormes quantias de dinheiro dos cofres do reino e assim alimentar a glamorosa vida social da família, tendo-lhe sido confiscado o Parque de Gilwell.

A propriedade voltou a mudar de dono várias vezes, tendo, em 1858, sido comprada por William Gibbs, um industrial excêntrico, poeta e inventor. A sua invenção de maior sucesso foi à pasta dentífrica “Gibbs”, que era produzida na sua própria fábrica. Após a sua morte, em 1900 a mulher e filhos viram-se incapazes de manter a propriedade dados os elevados custos de manutenção, acabando por vendê-la.

Escoteiros compram o Parque de Gilwell
William Frederick de Bois Maclaren era um generoso empresário escocês e também escoteiro, sendo Comissário Distrital de Roseneath, em Dumbartonshire. Foi diretor de uma empresa ligada às plantações de borracha, café e cacau. Pertencia ao clã escocês dos Maclaren, que remonta ao século XIII, cujo tartan encontramos no Lenço de Gilwell. Faleceu em Junho de 1921. Numa visita que fez a Londres, Maclaren impressionou-se ao ver os escoteiros londrinos fazerem as suas atividades em ruelas e terrenos baldios. Em Novembro de 1918, Maclaren contatou B-P, manifestando-lhe o seu desejo de comprar um campo escoteiro para a associação, que ficasse perto de Londres e acessível aos escoteiros da parte oriental da cidade. B-P falou nesta ideia a Percy Bantock Nevill, na altura Comissário para Londres Oriental. Ainda em Novembro, Maclaren e Nevill juntaram-se para discutir o assunto e, após estudar várias opções, acordaram em procurar uma propriedade em Hainault Forest ou em Epping Forest, tendo Maclaren oferecido 7 mil libras para a compra.

Vários grupos de escoteiros procuraram propriedades em ambas às áreas durante algum tempo, sem sucesso, até que, um dia, o dirigente John Gayfer sugeriu a Nevill o Parque de Gilwell, perto da vila de Chingford, onde costumava ir observar aves, e que estava à venda. Nevill visitou o local e ficou bem impressionado, apesar do aspecto deplorável em que se encontrava o parque. A propriedade, com um total de 53 acres, estava à venda por exatamente 7 mil libras. B-P visitou o local a 22 de Novembro. Feita a compra, Nevill levou para Gilwell os seus seniores, na Quinta-feira Santa de 1919, para começarem uma operação de limpeza e recuperação durante as férias da Páscoa. Os edifícios estavam degradados e a vegetação desgovernada cobria os terrenos. Na primeira noite, descobriram que os terrenos eram demasiados húmidos para montar tendas, por isso ficaram numa velha cabana de jardinagem que batizaram de “The Pigsty” (a pocilga), que ainda hoje existe.

As despesas com a recuperação do edifício principal foram subestimadas, mas Maclaren, entusiasmadíssimo com os trabalhos, doou mais 3 mil libras. Durante vários fins-de-semana, grupos de Escoteiros e seniores deslocaram-se ao Parque de Gilwell para participar nos trabalhos. Em Maio de 1919, Francis Gidney foi nomeado Chefe de Campo, orientando de forma mais consistente e direcionada os trabalhos de recuperação. A inauguração oficial do Parque de Gilwell deu-se a 26 de Julho de 1919. A esposa de Maclaren cortou as fitas e o próprio Maclaren foi condecorado por B-P com o Lobo de Prata. O parque evoluiu muito desde 1919 até hoje, com novas construções, reconstruções e marcos importantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, o parque foi requisitado pelo Ministério da Guerra para centro de treino de armas antiaéreas e quartel-general para a defesa de instalações militares próximas. Por causa disto, o parque foi alvo de bombardeamentos inimigos. Num dos ataques, caíram três bombas, tendo uma delas dado origem ao lago conhecido como “Bomb Hole”, o qual foi alargado posteriormente para se poder fazer canoagem. 

Formação de Dirigentes
B-P deu os primeiros passos na formação de dirigentes, organizando palestras no início da década de 1910. Era evidente que esta formação era demasiado teórica e era necessária uma vertente mais prática, só possível com um local adequado. B-P convenceu Maclaren de que o Parque de Gilwell era suficiente para albergar também um centro de formação de dirigentes.


Seguindo as linhas orientadoras definidas por B-P, Gidney dirigiu o primeiro curso de formação de dirigentes em Gilwell, de 8 a 19 de Setembro de 1919, com 18 formandos. Fizeram parte dos conteúdos temas como organização de patrulhas, pioneirismo, faca e machado, formaturas, marcha, bandeiras, higiene e saúde em campo, latrinas, fogueiras, tendas, campismo, pontes, fauna e flora, Morse e homógrafo, pistas, jogos, medição de distâncias, mapas, etc. O curso foi um sucesso, ficando conhecido como curso da “Insígnia de Madeira”, devido à certificação que era dada a quem o concluísse. Nos primeiros cursos, os formandos eram divididos em patrulhas e aprendiam como treinar os seus rapazes através de jogos. As atividades práticas, ao ar livre, eram a tónica principal.