Conversa ao
pé do fogo.
A história do
Parque de Giwell (Gilwell Park)
Na história do Escotismo, o
Parque de Gilwell e a Insígnia de Madeira têm um lugar de destaque pela sua
longevidade e importância no Movimento. O parque é um local místico que todos
os Escoteiros procuram visitar quando vão à Inglaterra, sempre repletos de
jovens e adultos nas mais diversas atividades. Foi aqui que surgiu a Insígnia
de Madeira, no curso de formação de dirigentes que, entretanto, se espalhou
pelo mundo. Este artigo é dedicado aos chefes Escoteiros e porque não aos
demais jovens escoteiros cuja curiosidade ainda não está satisfeita.
Um nome
O mais antigo registro de terras
pertencentes ao Parque de Gilwell (ou Gilwell, como se escrevia antigamente)
remonta a 1407, quando faziam parte da Paróquia de Waltham Abbey. O seu proprietário
era John Crow, que chamava às suas terras “Gyldiefords”. As terras mudaram de
dono poucos anos mais tarde e, como era hábito na época, o novo dono (Richard
Rolfe) alterou o nome das terras para “Gillrolfes”, usando o seu próprio
apelido. O prefixo “Gill” vem de uma palavra do inglês antigo que significava
vale ou depressão. Pouco depois da morte de Richard Rolfe, em 1422, as terras
foram separadas em dois campos, conhecidos como Great Gilwell e Little Gilwell.
O sufixo “well” vem do inglês antigo “wella”, que significava nascente ou
ribeiro. Assim, Gilwell seria um vale com uma nascente ou ribeiro.
Um
parque com história
Ao longo dos vários séculos, as
terras que hoje constituem o Parque de Gilwell mudaram de proprietário diversas
vezes, tendo sido agregadas e divididas muitas vezes. Na década de 1730, as
terras de Gilwell foram guarida para um mítico salteador inglês, Dick Turpin. Em
1793, a família Chinnery mudou-se para Gilwell, tendo sido os mais importantes
ocupantes do parque. Esta família era um modelo da alta sociedade londrina,
dinâmicos, enérgicos e ligados às artes. William Chinnery, um jovem ambicioso
com um rápido sucesso profissional, foi agregando à propriedade outros terrenos
ao redor que iam aparecendo para venda. Margaret Chinnery transformou os
terrenos em magníficos jardins e decorou o edifício principal a rigor,
organizando frequentemente serões, chamando, assim, as atenções da alta
sociedade. Até os membros da família real eram frequentadores de Gilwell, como
o Rei Jorge III, o Príncipe Regente e o Duque de Cambridge. Em 1812, foram
descobertos os estratagemas fraudulentos que William Chinnery usava para
desviar enormes quantias de dinheiro dos cofres do reino e assim alimentar a
glamorosa vida social da família, tendo-lhe sido confiscado o Parque de
Gilwell.
A propriedade voltou a mudar de
dono várias vezes, tendo, em 1858, sido comprada por William Gibbs, um
industrial excêntrico, poeta e inventor. A sua invenção de maior sucesso foi à
pasta dentífrica “Gibbs”, que era produzida na sua própria fábrica. Após a sua
morte, em 1900 a mulher e filhos viram-se incapazes de manter a propriedade dados
os elevados custos de manutenção, acabando por vendê-la.
Escoteiros
compram o Parque de Gilwell
William Frederick de Bois
Maclaren era um generoso empresário escocês e também escoteiro, sendo
Comissário Distrital de Roseneath, em Dumbartonshire. Foi diretor de uma
empresa ligada às plantações de borracha, café e cacau. Pertencia ao clã
escocês dos Maclaren, que remonta ao século XIII, cujo tartan encontramos no
Lenço de Gilwell. Faleceu em Junho de 1921. Numa visita que fez a Londres,
Maclaren impressionou-se ao ver os escoteiros londrinos fazerem as suas
atividades em ruelas e terrenos baldios. Em Novembro de 1918, Maclaren contatou
B-P, manifestando-lhe o seu desejo de comprar um campo escoteiro para a
associação, que ficasse perto de Londres e acessível aos escoteiros da parte
oriental da cidade. B-P falou nesta ideia a Percy Bantock Nevill, na altura Comissário para
Londres Oriental. Ainda em Novembro, Maclaren e Nevill juntaram-se para
discutir o assunto e, após estudar várias opções, acordaram em procurar uma
propriedade em Hainault Forest ou em Epping Forest, tendo Maclaren oferecido 7
mil libras para a compra.
Vários grupos de escoteiros
procuraram propriedades em ambas às áreas durante algum tempo, sem sucesso, até
que, um dia, o dirigente John Gayfer sugeriu a Nevill o Parque de Gilwell,
perto da vila de Chingford, onde costumava ir observar aves, e que estava à
venda. Nevill visitou o local e ficou bem impressionado, apesar do aspecto
deplorável em que se encontrava o parque. A propriedade, com um total de 53
acres, estava à venda por exatamente 7 mil libras. B-P visitou o local a 22 de
Novembro. Feita a compra, Nevill levou para Gilwell os seus seniores, na
Quinta-feira Santa de 1919, para começarem uma operação de limpeza e
recuperação durante as férias da Páscoa. Os edifícios estavam degradados e a
vegetação desgovernada cobria os terrenos. Na primeira noite, descobriram que
os terrenos eram demasiados húmidos para montar tendas, por isso ficaram numa
velha cabana de jardinagem que batizaram de “The Pigsty” (a pocilga), que ainda
hoje existe.
As despesas com a recuperação do
edifício principal foram subestimadas, mas Maclaren, entusiasmadíssimo com os
trabalhos, doou mais 3 mil libras. Durante vários fins-de-semana, grupos de Escoteiros
e seniores deslocaram-se ao Parque de Gilwell para participar nos trabalhos. Em
Maio de 1919, Francis Gidney foi nomeado Chefe de Campo, orientando de forma
mais consistente e direcionada os trabalhos de recuperação. A inauguração
oficial do Parque de Gilwell deu-se a 26 de Julho de 1919. A esposa de Maclaren
cortou as fitas e o próprio Maclaren foi condecorado por B-P com o Lobo de
Prata. O parque evoluiu muito desde 1919 até hoje, com novas construções,
reconstruções e marcos importantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, o parque
foi requisitado pelo Ministério da Guerra para centro de treino de armas
antiaéreas e quartel-general para a defesa de instalações militares próximas.
Por causa disto, o parque foi alvo de bombardeamentos inimigos. Num dos
ataques, caíram três bombas, tendo uma delas dado origem ao lago conhecido como
“Bomb Hole”, o qual foi alargado posteriormente para se poder fazer
canoagem.
Formação
de Dirigentes
B-P deu os primeiros passos na
formação de dirigentes, organizando palestras no início da década de 1910. Era
evidente que esta formação era demasiado teórica e era necessária uma vertente
mais prática, só possível com um local adequado. B-P convenceu Maclaren de que
o Parque de Gilwell era suficiente para albergar também um centro de formação
de dirigentes.
Seguindo as linhas orientadoras
definidas por B-P, Gidney dirigiu o primeiro curso de formação de dirigentes em
Gilwell, de 8 a 19 de Setembro de 1919, com 18 formandos. Fizeram parte dos
conteúdos temas como organização de patrulhas, pioneirismo, faca e machado,
formaturas, marcha, bandeiras, higiene e saúde em campo, latrinas, fogueiras,
tendas, campismo, pontes, fauna e flora, Morse e homógrafo, pistas, jogos,
medição de distâncias, mapas, etc. O curso foi um sucesso, ficando conhecido
como curso da “Insígnia de Madeira”, devido à certificação que era dada a quem
o concluísse. Nos primeiros cursos, os formandos eram divididos em patrulhas e
aprendiam como treinar os seus rapazes através de jogos. As atividades
práticas, ao ar livre, eram a tónica principal.