Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Um por todos? Sim Chefe, um por todos e todos por um!
Fico a
olhar hoje os doces momentos escoteiros que muitos se divertem riem colocam
fotos se abraçam dão adeusinhos e o nosso sinal para lembrar que pertencem a
fraternidade, em uma grande atividade escoteira. E o Jamboree do Japão? Quantas
belezas os brasileiros estão vendo por lá. Pena que são poucos, só aqueles mais
bem aquinhoados e ou que passaram anos fazendo
uma poupança para ter a felicidade de estar presente. Nestas horas eu
sinto uma tristeza enorme em saber que milhares ou milhões de escoteiros em
todo o mundo nunca poderão estar presentes em uma apoteose de um Jamboree. Claro
alguém já disse para mim que isto é impossível, como colocar junto milhões em
um só lugar? Concordo e concordo também que quem deseja algum tem de lutar para
conseguir. Pena que nem todo ser humano é igual. As diferenças fazem de um
lutador e outro de perdedor. Escoteiros são perdedores? Bem não foi isto que quis
dizer, mas acho que me entenderam.
Mesmo
sabendo que tem aqueles que acreditam e não sonham como eu ou muitos sonhadores
do bem comum, da fraternidade, do direito universal que todos são iguais perante
a lei nós sabemos que não é assim. Já contei inúmeras histórias sobre jovens
meninos sonhadores que seus olhares enchiam-se de lágrimas e ver fotos, manchetes
e nunca iriam poder participar de um evento maior do escotismo nacional ou
mundial. Conheci um chefe há muitos e muitos anos que trabalhava duro um ano
inteiro só para ir aos Jamborees. Seu grupo, sua família sofria com isto.
Interessante que quando chegava destes eventos sua casa ficava cheia de amigos
só para ouvir suas histórias como foi lá, os distintivos que trouxe e as fotos.
Uma vez fui a sua casa, vi sua família tristonha, seus filhos em um canto da
sala, quem sabe revoltados, pois sabiam que a alimentação nunca faltou, mas
faltou ter um pouco mais do que tinham, um amor maior e presente, uma TV nova,
um fogão que sua esposa sonhava roupas e participar do mundo que seus amigos
participavam.
Sei que
isto é uma exceção. Mas eu me entristecia quando o via em uma atividade, cheio
de distintivos, estrelas, medalhas e seu sorriso de vencedor. Eu mesmo sabia
que todos seus amigos se sentiam feliz com a felicidade dele, e isto é bom, mas
será que isto basta? Eu fui a um Jamboree uma vez. Um só, nunca mais voltei.
Gastei o que não tinha e me arrependo até hoje por isto. Sei que sou errado,
mas jurei a mim mesmo que as oportunidades deveriam ser iguais para todos. Onde
labutei nos diversos grupos que passei fazia questão disto. Ninguem ia a não
ser se todos fossem. Ensinei que ou somos irmãos para tudo ou não somos. Em
nossos acampamentos fazíamos uma romaria no bairro, nas lojas, nos
supermercados e armazéns e todos ajudavam sem reclamar. Não faltava nada para a
intendência das patrulhas e chefia. Quando convidados para uma atividade fora
do nosso distrito, todos iam.
Aqui
mesmo em São Paulo um grupo que colaborei fazia questão de um acampamento de
grupo uma vez por ano em outra cidade confraternizando com o grupo local.
Chegamos em um uma vez com mais de três ônibus lotados. Foram seis dias de
felicidade total. Todas as sessões tinham seus campos e os lobos perto em uma
escola rural. Sei que muitos fazem isto, mas eu me perguntava se não devia ser
assim a fraternidade escoteira. Nunca me esquecia da lição de Athos, Porthos e
Aramis sem esquecer do jovem D’Artagnan. Quando eles diziam um por todos e
todos por um era para valer. Sei que isto são coisas de sonhadores, daqueles
que acham que o mundo é feito de historias da Távola Redonda, das incríveis
histórias de Avalon, do Rei Arthur e seus cavaleiros que junto a ele juntavam
forças para vencer o mal. Nunca me esqueci de Sir Dagonet o bobo da corte, de
Sir Agravaine o filho do rei Lot, de Sir Lancelot, Sir Galhard o filho de
Lancelot, Sir Gawain, Sir Palamedes o Sarraceno e tantos outros.
Escotismo para mim sempre foi uma saga de BP. De sentir no corpo e no
coração a força que ele nos traz quando colocamos nosso uniforme, nosso chapéu,
olhamos o céu para ver se vai chover e partimos por aí em busca de aventuras
mais gostosas junto a companheiros fieis. Uma vez, quanto tempo não me lembro,
acho que tinha quinze ou dezesseis anos, estávamos indo para Aimorés, a convite
de um grupo novo, resolvemos cortar caminho (160 km) e nos perdemos em uma
encruzilhada. Pela primeira vez não estávamos com nosso bornal cheio de coisas
gostosas. O sol ia se por no horizonte e procuramos sem parar a estrada certa e
a fome apertava. Chegamos em uma tapera na beira da estrada. Um botequim pequeno,
Só o dono, no balcão alguns doces, mas me encantei com um lindo pedaço de
pudim, daqueles parecido da TV que balançam prá lá e prá cá. Ai meu Deus, que
fome! Quanto? Três reais. Quem tem? Comprar para todos nós sabíamos que ninguém.
Partimos, havia entre nós quase cinco reais se fizéssemos uma vaquinha.
Mas ou todos comem ou não come ninguém. Afinal ninguém morreu e no outro dia
pela manhã chegamos a Aimorés e na casa do Chefe Armindo nos refastelamos com
um belo bolo de tapioca. Que bolo gostoso, parecia um manjar dos Deuses. São coisas
assim que nos fazem lembrar, que a fraternidade, o amor, a igualdade traz um
orgulho danado e saber que um dia poderíamos dizer sem errar: - Um por todos? Sim
Chefe, um por todos e todos por um!