quarta-feira, 17 de maio de 2017

Escotismo é só para ricos?


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Escotismo é só para ricos?

                     Vi hoje uma postagem de amigos reclamando dos altos preços cobrados pela Loja Escoteira. Não foi o primeiro e nem o último. É um tema em que já publiquei diversos artigos sobre ele sem sucesso. Afinal queira ou não boa parte dos participantes hoje do escotismo já entram sabendo que tem gastos e eles não irão medir esforços para que seus filhos tenham tudo que precisam. Sei também que existem os escoteiros que insistem em participar mesmo sabendo que não podem acompanhar os mais bem aquinhoados e os chefes persistentes tudo fazem para que eles possam dentro do possível ter seu quinhão conforme os demais.

                     Baden-Powell quando criou o escotismo, dizia que era para os mais humildes, principalmente a juventude que morava em bairros simples e pudessem receber um outro tipo de educação. Hoje nota-se que isto ficou para trás. Nossa liderança não tem a preocupação com os jovens mais humildes e para fazer uma cortina de fumaça em reclamações passou a não cobrar o registro daqueles que não pudessem pagar. Pouco se vê algum Escotista candidato nas esferas mais altas, ter como meta fazer tudo para que os mais pobres possam ter condições de participar e uniformizar como os demais.

                      Lembro que no passado era motivo de orgulho ver uma alcateia com uniforme desbotado assim como uma tropa escoteira. Via-se que os jovens estavam há mais tempo e bastava olhar para eles e ver dezenas de primeira e segunda estrela. Isto sem contar os segunda e primeira classe. Muitos diziam que ali se fazia o verdadeiro escotismo. Nos acampamentos distritais e regionais era bom demais ver as patrulhas chegando completas, desfraldando seu totem, dando seu grito de patrulha e trazendo seu próprio farnel e sua tralha. Os sub campos ferviam de bom escotismo. Patrulhas completas se orgulhando do seu grito de sua participação visando conquistar uma simples bandeirola de eficiência.

                      Mas tudo mudou. Em vez do formidável sistema de patrulhas passou-se a considerar o jovem e não sua equipe. As altas taxas apareceram para que muitos não pudessem participar. Existe o desejo de muitas regiões assim como a nacional visar que toda e qualquer atividade tem de dar lucro. Vi outro dia um artigo onde o título era: - Quanto tempo leva uma empresa para dar lucro? Será que já somos uma empresa ou somos uma associação? Se hoje temos mais condições de ter empresas querendo fazer seu marketing no escotismo onde estão os profissionais para aproveitar tais benesses? Não afirmo, ouvi dizer que a vestimenta teve como pauta que seria uma ótima fonte de receita para a UEB.

                       Uma vestimenta que até hoje se ouve falar das péssimas condições de confecção e do próprio tecido, que não é próprio para o campo e desbota com rapidez. Se fosse como no passado tudo bem, mas hoje não. Penso até que isto foi premeditado para que as trocas sejam feitas mais amiúdes. Afinal a Loja Escoteira é um truste sem sócios onde só ela tem os direitos dos produtos que comercializa. Mesmo assim a uma luta renhida para que mais e mais ela possa sempre ter lucro em tudo que faz e vende. Chega ao ponto de exigir que suas atividades realizadas em regiões ou distrito, a taxa deve cobrir todas suas necessidades assim como ter o devido lucro na sua gestão financeira. É como o lema: - Nada pode dar prejuízo!

                       Muitos dirão que isto é o correto. Não vou discutir. Aldous Huxley no seu livro Admirável Mundo Novo, dizia que uma organização não é consciente nem viva. Seu valor é instrumental e derivado. Não e boa em si, é boa apenas na medida em que promoveu o bem dos indivíduos que são partes do todo. Dar primazia as organizações sobre as pessoas é subordinar os fins aos meios. Temos hoje uma associação que quer ser servida e não servir. Em uma promessa ela mesmo exige que todos digam em alto e bom som que irão servir a União dos Escoteiros do Brasil.

                      Muitos discutem o porquê o escotismo não cresce em termos populacional em nosso país. Quem sabe este pode ser um dos motivos. Pense nas enormes despesas para se montar e manter um Grupo Escoteiro. Pode-se dizer que compete à diretiva do grupo procurar meios para que o grupo seja autossuficiente. E onde entra a UEB neste contexto? Quando o grupo se torna uma pequena empresa na minha humilde opinião deixa de ser tudo aquilo que pensamos de uma filosofia fraterna e onde o lema um por todos e todos por um deixa de existir. Parodiando John Thurman quando B.P assentou as bases do escotismo, disse que ele nasceu entre meninos pobres e, se economicamente os rapazes melhoram deste então, ainda existem rapazes tão pobres como naquela época que precisam do escotismo.  

                 Sei que minhas palavras nada irão ajudar para que este estado de coisas seja modificado. Se este é o escotismo que queremos sinceramente não é o meu. Eu sempre sonhei em uma associação que visasse o bem dos seus associados, ombro a ombro nas suas necessidades, tudo fazendo para conseguir os meios necessários para que o escotismo pudesse evoluir de maneira simples buscando seu verdadeiro objetivo que é a formação do jovem dentro dos princípios e métodos idealizado por Baden-Powell. Não tenho a pretensão de ter a solução tenho sim o sonho em que um dia todos pudessem discutir de igual para igual com todos os seus pares escoteiros visando um caminho perfeito para o sucesso.

                 O escotismo não é para ricos. Os direitos do rico e do pobre são iguais. Visar lucros sem ver a necessidade de seus associados é uma maneira de estagnar a alavanca de um escotismo para todos. Programas e metas devem ter papel importante no caminho que procuramos seguir. Mas até hoje o que vemos é totalmente diferente. Um escotismo que visa lucros em todas suas atividades e esquecendo o que é mais importante, abrir um leque enorme para alavancar o maior número de escoteiros no Brasil. Se um dia estivemos juntos aos dez primeiros que acharam a ideia de Baden-Powell em 1910 factível para formar jovens conforme se pensava naquela época, hoje vemos com tristeza que estamos em um patamar distante dos sonhos de outrora.


                  Sei que poucos irão comentar, poucos irão concordar. Um direito de qualquer cidadão escoteiro. Mas o futuro é inexorável. Quem viver verá se o caminho foi realmente o sucesso esperado.                            

John Thurman dizia que Baden-Powell tocou o dedo em algumas das mais formidáveis ideias e práticas que levam os rapazes a segui-las com entusiasmo, e nos métodos, e modo de manejar e guiar os rapazes. Se nos mantermos o mais possível dentro a simplicidade, alegria e entusiasmo o sucesso será real. No entanto os únicos capazes e possíveis de pôr o Escotismo a perder são os próprios chefes e dirigentes. Se nos tornarmos arrogantes, complacentes e a nos fazermos passar por demasiado autossuficientes, então - e apenas com essas coisas - poderemos arruinar o Movimento.