sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

HISTÓRIAS DE ACAMPAMENTOS




O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.
              
 Historias de Acampamentos
A vida não é feita de sonhos, mas eles existem. São como o sol da manhã, a chuva na primavera ou a brisa leve e suave no rosto, do alto de uma montanha qualquer e na mente de um velho escoteiro. Seus sonhos não se foram, e as lembranças ainda permanecem firmes para alegrar as noites frias de inverno ou o sol escaldante do verão.

Sempre é bom voltar ao passado principalmente se são fatos que nos trazem a juventude de uma época, a aventura de uma historia, a força do caminho a seguir ou o equilíbrio de decidir se valeu ou não tomadas de decisões que desapareceram com o tempo.

Foi numa tarde de junho, lá pelos idos de 1960, apesar de inverno, o sol estava a pino. Chegava a minha casa para almoçar e minha mãe me entregou uma correspondência recebida aquela manhã.

Logo vi que era do meu amigo Chefe Gafanhoto (prefiro preservar seu nome), pois somente dele ainda recebia alguma carta.

Eu o conheci no ano anterior, quando fiz meu primeiro CAB (Curso de Adestramento Básico – hoje inexistente). Ainda lembro, acho que foi em setembro de 1959. Tinha recebido um convite da Direção Regional para fazê-lo, totalmente sem ônus. Foi uma aventura a saída, de uniforme e calças curtas, com meu chapelão e a mochila semi-nova carregada de apetrechos que mais tarde vi que poderiam diminuir e muito, A viagem foi de trem e aquele curso o primeiro de muitos outros que viriam a seguir, ficou marcado por todo o sempre. Mudou completamente minha maneira de pensar como escotista.

Cheguei à capital pela manhã, uma viagem de 16 hs, sem dormir direito, mas com aquela excitação do primeiro acampamento ou da promessa escoteira.
Fui direto para o local determinado e com a mochila as costas, alcancei sem problemas o campo escola conforme as informações que havia recebido. No meio de um arvoredo, avistei uns 12 ou 15 chefes, conversando, rindo e cantando. Cheguei e na melhor pose tomei a posição de sentido e gritei para todos – “Sempre Alerta”.

Riram da minha pose militar (era assim que tinha aprendido). Mas foram camaradas durante o curso e um deles, moreno magro três anos mais velho que eu aproximou e apresentou-se como chefe Gafanhoto, de uma cidade bem próxima a minha e que eu ainda não sabia da existência de um grupo escoteiro.

Logo, veio a chamada geral e feita à apresentação assim como a equipe dirigente. Para surpresa minha um deles me disse sem cerimônias que tirasse todos os meus distintivos (mantinha em meu uniforme os conquistados como sênior e todas as minhas estrelas de atividade – eram de metal – pois havia aprendido assim e assim fazia e eu me orgulhava de tudo). Todos riram novamente. Achei-me o bobo da corte. Mas esta é outra historia, fica para outra vez.

Gafanhoto e eu ficamos muito amigos. Éramos da mesma patrulha. Estávamos na mesma barraca e os cinco dias de campo deram tempo suficiente para nos conhecermos mais, e planejar planos para o futuro. (fizemos a parte de campo da Insígnia um ano depois, foram mais oito dias juntos)

Assim nos conhecemos e assim trocamos muitas correspondências, pois apesar de sua cidade ficar a 180 k da minha, era uma época muito difícil para um intercambio maior. Estrada de terra, poucos ônibus e tínhamos que fazer uma baldeação, pois de sua cidade até o entroncamento a distancia era de 58 quilômetros em uma péssima estrada com poucos veículos circulando. Telefone nem pensar. Muito difícil. (mais tarde, fui lá varias vezes de bicicleta, eu e vários escoteiros da tropa)

Mas voltemos à correspondência do Chefe Gafanhoto. Ele me convidava para um acampamento com as tropas escoteiras, nas férias de julho, na fazenda de um pai de um escoteiro dele, de uma semana, com metade das despesas pagas. (o pai ofereceu transporte em carros de boi, da estrada até a fazenda – nove quilômetros – carne de boi, ovos, gordura de porco, arroz, feijão e frutas da época, pois havia um belo pomar em sua fazenda).

Consegui através da prefeitura local um caminhão que nos levaria até o entroncamento e nos buscaria no dia determinado. Os preparativos foram intensos, a tropa muito motivada (quatro patrulhas com sete escoteiros cada uma).

Chegou o grande dia, saímos pela manhã, e a viagem de caminhão seria de mais ou menos três hs. Combinamos via correspondência encontrar a tropa do ch. Gafanhoto entre 12 e 13 horas. De lá, juntos iríamos até o local determinado.

O pior ainda estava por acontecer. Uma chuva torrencial nos pegou pelo caminho. Abrimos algumas lonas mas o vento pouco ajudava. Chegamos com um atraso de duas horas. E então...., vimos que a estrada que encontraríamos o ch. Gafanhoto estava toda enlameada, e a única ponte havia sido levada pela enchente. Do outro lado, avistamos a tropa do Ch. Gafanhoto. Algazarra dos dois lados, mas sem possibilidade de atravessarmos o riacho totalmente cheio.

Aos gritos tentamos nos comunicar, mas pouco se entendia por causa da chuva e do barulho do riacho. Um dos monitores veio com um par de bandeirolas (todas as patrulhas tinham sinaleiros) e aí começamos a nos entender por semáforas. Decidimos dispensar nosso caminhão. Estava fora de cogitação voltar. Ali mesmo ao lado da estrada os monitores começaram a armar suas barracas de duas lonas, fizeram uma pequena cozinha e um pequeno acampamento foi montado em instantes. Do outro lado a tropa fazia a mesma coisa. Um posto de transmissão foi montado e conversamos com todos do outro lado, devagar, mas nos entendo bem.

À noite, a chuva tinha diminuído mas não cessada. Dormimos molhados, mas com sonhos de um sol brilhante e quente ao alvorecer.

Não foi um belo dia, mas pelo menos sem chuva. Para surpresa um monitor me comunicou (estava só pois os assistentes não vieram por diversos motivos) que achou em sua barraca, quatro escorpiões amarelos.  Preocupado, chamei os monitores e verificando todas as barracas os escorpiões estavam em grande numero. Graças a Deus não tivemos alguém picado por um deles. Desmontamos devagar o campo, olhando com carinho as dobras (para não levar escorpiões juntos) e resolvemos fazer uma jangada para a travessia, pois a ponte havia desaparecido. Nosso programa era acampar junto à tropa do ch. Gafanhoto e de maneira nenhuma iríamos desistir da nossa intenção.

Demoramos mas conseguimos. Não foi uma bela jangada, mas deu para o gasto. A travessia demorou toda à tarde. La pelas 19 hs, estávamos confraternizado com a outra tropa. Era o inicio de uma grande amizade entre os jovens. Dois dias haviam-se passado. Não perdidos pois a aventura apenas tinha começado.

Quatro carros de bois estavam a nossa espera. Carregamos todo o material pesado e conversando e cantando, marchamos para o local do acampamento. O pai e dono da fazenda veio a cavalo, nos parabenizou pela travessia e disse que tinha pedido a sua cozinheira para fazer um grande sopão e muito angu (polenta) com carne de porco. Não precisaríamos fazer o jantar naquele dia. Aqueles nove kilometros até a fazenda foi o inicio de uma grande fraternidade, cantando, sorrindo, fazendo amizades que iriam perdurar por muitos e muitos anos.

Quando chegamos a casa sede, jantamos e lá pela meia noite, iniciamos a montagem de nosso acampamento.

Não vou aqui entrar em detalhes de tudo, pois levaria aos amigos que me lêem mais tempo e quem sabe poderiam perder o interesse. Portanto fico sem narrar a invasão dos bois ao campo, da lagoa do sapo gigante de três pernas, do peixe de três kilos pego por um escoteiro da patrulha leão, do escoteiro que sumiu por um dia inteiro, da floresta dos bambus gigantes, do escoteiro que quebrou a perna, foi a cavalo até um médico próximo e voltou para o acampamento participando do possível, da caça ao porco selvagem, de três jovens filhos de meeiros que se juntaram as patrulhas em todo acampamento (muito choro na partida), da gruta inexplorada, dos dois pistoleiros que queriam participar conosco de um grande jogo noturno (houve interferência do dono da fazenda), da invasão dos carrapatos, do cachorro ladrão, da árvore fantasma, do córrego das pedras preciosas, da filha do fazendeiro que encantou aos dois chefes, do feijão tropeiro feito no último dia, do leite fresco que fez ambas as tropas correrem para o mato freqüentemente, e do Fogo de Conselho, uma apoteose. Não esqueço o barulho feito pelas rodas dos carros de boi, de todos a cantarem e rirem durante o retorno, enfim de detalhes que nunca foram esquecidos e que até hoje aqueles que ali estiveram devem lembrar com saudades de um tempo que se foi e não volta mais.

Final do acampamento. Voltamos para nossa cidade. Voltamos para nossas vidas. Nas reuniões de tropa, os comentários faziam inveja aos seniores que não foram e historias para os lobinhos que um dia também teriam o que contar.

Foi um dos meus melhores acampamentos. Ficou marcado na lembrança. Ali fizemos amizades que perduraram por muito tempo.

Depois da década de 70, não vi mais o ch. Gafanhoto. Ele não deu mais noticias e nem eu. Mudei-me daquela cidade e talvez seja culpado por não procurá-lo mais uma vez. Não sei se o grupo dele permanece na ativa, mas era um grande chefe e com escoteiros que obtiveram tudo aquilo do escotismo e das aventuras que ele oferece.

Cada um de nós, quando lemos algumas historias, também temos a nossa. Assim como você que me lê, tem a sua de um acampamento inesquecível, marcante com lembranças que irão permanecer por toda a existência. São lembranças assim que marcam uma vida. Fazem de nós escoteiros uns sonhadores do passado e do futuro.

E quem quiser contar historias que participe do movimento escoteiro, que faça um acampamento e peça a Deus que ele seja cheio de perigos e surpresas, pois só assim poderemos dizer – “Valeu a pena, valeu!”.

De um velho escoteiro e suas lembranças.


"Cada homem tem a sua hora. Cabe a cada um escolhê-la.”

Anônimo