sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CONVERSA AO PÉ DO FOGO IV



“Amigo: alguém que sabe de tudo a teu respeito e gosta de ti assim mesmo."
(Elbert Hubbard)


Conversa ao Pé do Fogo IV

Meu amigo João Peçanha – o famoso Chefe Borboleta

O nome dele era João Peçanha. Nós o chamávamos de Borboleta. Nada de eufemismo não. Também não tinha nada de afeminado. Não sei por que do apelido, mas era comum em nosso Grupo Escoteiro. Não perdoávamos ninguém.

Um dia apareceu na sede com o livro do Velho Lobo na mão, O Guia do Escoteiro (Por volta de 1920, o “Velho Lobo” denominação adotada pelo Almirante Benjamin Sodré começa a publicar na revista “Tico-Tico” uma coluna regular denominada “Escotismo”. A partir desse material o Velho Lobo publica em 1925 o Guia do Escoteiro, reeditado em 1932, 1943, 1954 e em 1994, neste último ano, pelo Centro Cultural do Movimento Escoteiro).

Disse que tinha comprado de um amigo e que este ganhou de outro. Nada contra. Para nós naquela época era nossa Bíblia. Pediu para olhar nossas atividades e ali ficou por uns dois meses. Conseguiu conquistar amizades e eu mesmo tinha por ele enorme consideração.

Pelos meus cálculos, devia ter entre 28 e 30 anos. Era até simpático, mas se vestia pobremente (quando aceito como escotista, demorou um bom tempo para adquirir o uniforme completo) Procurou-me um dia se podia participar. Disse-me que conhecia de cor e salteado tudo que o Velho Lobo escreveu no livro. Podia fazer os nós de olhos fechados e sabia todas as provas ali descritas. Eu nesta época era escotista de tropa e “sapeava” nas horas vagas nos seniores. Sempre era convidado para suas atividades.

Conversei com o Chefe Batista, nosso Chefe de Grupo e ele que também ficou amigo do Borboleta concordou de pronto. Ficamos sabendo que ele tinha uma pequena oficina de conserto de bicicletas e morava com a mãe num bairro afastado.

Foi uma grande surpresa. Na primeira atividade da tropa Sênior (onde ele foi como assistente) demonstrou um conhecimento que nos deixou boquiabertos. Nunca tínhamos visto nada igual, pois se declarara nunca ter sido escoteiro em sua vida. Sabia como ninguém aplicar amarras, dar nós, mostrou-nos novas técnicas de armar barracas de duas lonas suspensas, sabia como construir pioneirias, para nós todas novas, nadava como um peixe, nunca se cansava, era o primeiro a levantar (sempre cantando o Ra-ta-plã) e o último a se deitar.

O que marcou mesmo o chefe Borboleta foi uma excursão de 5 dias feita nas férias de janeiro (lá pelos idos de 1961) onde iríamos percorrer aproximadamente 450 quilômetros entre ida e volta, por 4 cidades, sendo duas com atividades interessantes.

A Primeira ficamos sabendo por fonte não autorizada que existia um Grupo de Bandeirantes. Isto chamou a atenção dos seniores e eu também fiquei interessado. Nunca tínhamos visto uma bandeirante. Só de histórias e de algumas leituras aqui e ali.

Na segunda já havíamos feito nos dois últimos anos, a participação do aniversário de um grupo Escoteiro amigo de uma cidade localizada no Vale do Rio Doce, e nos anos anteriores tínhamos ido em viagem de trem. Agora não, chegaríamos de bicicleta. Só a Tropa Escoteira e os Lobinhos iriam de trem.

No dia marcado partimos pelas 5 da matina. Borboleta foi conosco. Eu era um convidado da tropa Sênior. A primeira cidade ficava a uns 80 k, atrás de um pico famoso em nossa cidade e não conhecíamos o caminho. Não foi fácil. Só subida. Nestas, empurrávamos as bicicletas a pé. Éramos um total de 15 sendo 12 seniores e três chefes.

Borboleta era o mais animado. Enquanto estávamos sem ar na subida, ele cantava a Arvore da Montanha a pleno pulmões. Um grande praça, alegre, prestativo e o nosso salvador quando alguma bicicleta dava defeito.

Chegamos por volta das 09 da noite. Procuramos um pequeno campo de futebol e armamos as barracas. Ninguém por perto. Dormimos. Acreditamos serem todos pacíficos e não montamos guarda.

Levantamos cedo. Lá pelas 06 e meia. Surpresa. Uma enorme multidão fazia círculo em volta das barracas. O prefeito chegou pouco depois. Deu-nos as boas vindas. Não sabíamos como agir. Convidaram-nos para um almoço no Lions Club da cidade. E sabe quem praticamente nos chefiou? O meu amigo Borboleta. Ficou amigo do Prefeito, do Delegado, do Juiz e não sei de mais quem.

Na hora do almoço, apareceram as Bandeirantes, olhe meus amigos, eram mais de 150 moças. Nenhum chefe masculino. Ficamos embasbacados. Muitas de cair o queixo, lindas! Muito bem uniformizadas de blusa branca, saia azul e um lencinho dobrado no pescoço. Os seniores perderam a voz! Nada diziam a não ser admirar o que nunca tinham visto e tão cedo iriam ver de novo.

 Estavam formadas em fila de três, me parece por “batalhões”, como se fossem desfilar. Maravilha. Bandeirantes militares. Fizeram algumas evoluções ao som de uma fanfarra, muito boa por sinal e depois de algum tempo partiram em direção ao centro da cidade, marchando garbosas, sem dizerem adeus. Nenhuma delas. Não houve apresentação e assim como chegaram partiram.

Após o almoço perguntamos onde era a sede delas. Disseram-nos que era proibido a entrada. Mas insistimos e lá fomos. Não encontramos ninguém. Mesmo sendo uma cidade pequena, não vimos nenhuma de uniforme. Sumiram! Não entendemos nada. Era ou não um núcleo de Bandeirantes? Ou eram uma imitação fazendo a vez de jovens militares? Nunca tivemos a resposta.

Nada mais havia a fazer ali. Nosso programa era de partimos a tarde e assim foi feito. Anoiteceu e uma bela lua cheia iluminava a estrada de terra. Uma bela e grande descida. Mais de 45 quilômetros percorridos pela noite adentro. Foi aí que aconteceu a tragédia. Numa curva, em grande velocidade, levei um grande tombo, rolando pelo chão e terminando em uma cerca de arame farpado.

Dito e feito. Fratura na perna. Osso pontudo aparecendo. Uma dor incrível. Todos em volta assustados. Eu chorando baixinho, mas querendo mostrar uma força que não tinha. Era impossível suportar, principalmente vendo o osso e o sangue que saía aos borbotões.

Nesta hora conheci o verdadeiro Chefe Borboleta. Mandou-me esticar a perna e sem avisar mexeu com o osso e ele voltou para o lugar. Uma dor terrível gritei alto. Tirou seu lenço e pediu outros cinco. Amarrou forte em cima da fratura. Saiu e voltou com 4 pedaços de madeira de mais ou menos duas polegadas por uns 25 centímentos. Amarrou em cima da pseudo atadura. A dor continuava. Colocou-me nas costas e partiu a pé. Outro levaram minha bicicleta e a dele.

Chegamos numa fazenda e o proprietário foi muito gentil. Tinha uma pequena charrete e após colocar um cavalo nela, nos levou até a próxima cidade.

Graças a Deus lá tinha um médico que sorriu e cumprimentou a todos com a mão esquerda. Disse ter sido escoteiro quando jovem. Ótimo. Disse-nos que sendo uma fratura reta ele ia alinhar o osso no lugar e engessar. Disse que se não fosse pelo pela atadura do chefe eu poderia até perder a perna. Agora, dizia, era necessário ficar uns meses com o gesso sem movimentar a perna.

Concordei discordando em silêncio. Não ia perder a atividade na próxima cidade. À tarde, no trem rápido da Vitoria/Minas fui até ela (a cidade) e o Chefe Sênior despachou minha bicicleta para minha cidade de origem. La na estação encontrei vários escoteiros e chefes que esperavam outros grupos escoteiros que já estavam naquele trem inclusive o nosso. Fui levado até o local do campo de carro e lá fiquei por toda a atividade. Acharam para mim uma muleta e foi uma festa. À noite a tropa sênior chegou com o chefe Borboleta.

Foi uma grande atividade, mas que só assisti. No encerramento, durante a Cadeia da Fraternidade, mesmo com sacrifício, chorei, foi umas das poucas que chorei a valer, mas de emoção e não de dor.

Deixei lá muitos amigos. Voltei outros anos, até que mudei de cidade.

O chefe Borboleta ficou no grupo por mais alguns anos. Soube depois que resolveu ir tentar a sorte em Serra Pelada, época do inicio da garimpagem de ouro e que estava atraindo muitos brasileiros. Nunca mais ouvimos falar dele.

Fiquei batizado de chefe Moleza pelos seniores. Tudo bem. Foi uma experiência. Valeu. Ainda mais por ter por perto um chefe durão como o meu amigo Borboleta.


                                                                                             
Padrões de Acampamento - O meu, o seu, o nosso padrão

            A visão é uma dádiva que nos foi dada pelo Criador. Com ela podemos ver, imaginar e transformar os sentidos da audição, tato, olfato e até o paladar. Podemos olhar uma grande pedra negra e imaginar os raios do sol escarpando as suas faces dando-lhe um brilho ofuscante.                                                                
           
Se quisermos, dentro de uma barraca, veremos com amor a chuva intermitente, borrasca de fim de semana e nos entreolharmos sorrir e imaginar que o som é uma doce e suave melodia e que a terra encharcada nos traz um aroma incomparável ao olfato de um velho mateiro.
            Quem já teve o “privilegio“ de sentir o gosto de uma leve refeição em uma clareira de uma floresta, acampado, feita pôr um jovem noviço, aprendiz de cozinheiro, e ver nos seus olhos todos os sentidos em ação? - Sua visão, audição, olfato, tato e paladar estarão firmes em sua mente, esperando que a audição ouça a palavra mágica que todos ali calados e sonhadores esperam:
            - Excelente meu caro escoteiro, excelente. Seus olhos vão brilhar. Um sorriso espontâneo irá brotar naquele rosto e olhe, não existe fortuna ou dádiva no mundo que pode pagar aquele olhar no momento mágico de alegria e felicidade.

Recebi na semana passada, um email de um amigo escotista que me perguntava o que significava para mim, o “tal” padrões de acampamento. Colocava uma serie de perguntas e dava logo em seguida suas respostas.

Lembrei quando em meados de 1990, dirigia um avançado da Insígnia da Madeira parte II, que foi feito em regime de acampamento por seis dias, já diferente do passado onde era oito. O curso se desenvolvia normalmente e alem das palestras, atividades extras de pioneirias, os alunos se formavam por patrulhas e tinham acampamento próprio, cozinhando sua própria comida (fogão a lenha) alem de inspeções periódicas, que podiam ser logo após o termino de uma sessão.

Um dos diretores do curso estava em reunião e o tema era Padrões de Acampamento. Neste momento, as patrulhas foram divididas em turma de cinco e discutiam o assunto que tinha sido motivo da palestra minutos antes. Fiquei ali ouvindo e vi mesmo naquela época, onde insistíamos que os acampamentos deviam ser feitos sempre a moda dos padrões, muitos dos alunos discordavam, mas não tinham uma experiência em seus grupos de origens para afirmar isto ou aquilo.

Claro, iriam para suas casas com as mesmas idéias e sabíamos de antemão que iriam manter o mesmo padrão que estavam realizado hoje. Quanto tempo ia durar? Bem, esta devia ser uma nova pesquisa a ser realizada em nosso Movimento Escoteiro.  

Padrões? Hora, a palavra padrão significa que e um modelo a ser seguido ou copiado. Pode-se também ser uma regra que deve ser seguida por todos. Assim quando BP fez seu primeiro acampamento em Brownsea foram ali criados os primeiros padrões não só de acampamento como de todo o Movimento escoteiro.

Era uma forma de mostrar como seria a maneira correta para o jovem assimilar desde seu inicio no escotismo, a formação do caráter, a confiar em si próprio, saber se virar, a viver em equipe, e finalmente atingindo todas as partes do método escoteiro principalmente aprender a fazer fazendo e confiando, sabendo que os outros podem contar com ele.

Estamos hoje vivendo tempos diferentes. Mas posso afirmar que aqueles que de uma maneira ou de outra participaram dentro dos padrões esperados, muito devem ao escotismo sua formação. Claro, dificilmente saiam do movimento e sempre esperando a nova atividade ao ar livre.

Chegar ao campo, deixar que os monitores escolham seus campos de patrulha, ver a patrulha dar o grito no inicio da montagem, sentir o crescimento da montagem do campo, ver barracas sendo armadas, da cozinha sendo montada com seus fogões a lenha, o inicio da mesa de campo coberta, a barraca de intendência, as pioneiras comuns para proteção do material de sapa, as fossas de liquido e detritos, a patrulha de serviço montando o WC de todos.

Ver a chefia montar seu próprio campo, não tão perto dos outros, tendo liberdade para fazer seu próprio fogão, montar a barraca de intendência, ter um chefe experiente para distribuir nos horários programados os alimentos, ver um ou outro chefe fazer a mesa de campo, e sentir que as patrulhas tem inteira liberdade de ação, não tendo nenhum chefe por perto, dando palpites ou mesmo fazendo algum que não deveria fazer.

Sentir a alegria dos jovens quando da formação das patrulhas, para um jogo, para uma excursão, para o banho (ver o POR), ou outra qualquer atividade, receber a visita do monitor convidando para o almoço, ou jantar, ou café da manhã, enfim tudo dentro dos padrões, motiva e muito a permanência dos jovens na continuidade do escotismo.

Agora eu me pergunto, quantos estarão fazendo assim? Acampamentos dentro dos padrões esperados?

O escotista que me interpelou pelo email não pensa assim. Disse-me que tem vários motivados de outra forma. Lembrei-me que sempre vi em algumas tropas, ou alcatéias jovens super motivados que mesmo tendo participado de uma péssima reunião de tropa ou alcatéia, continuavam motivados e a serem os primeiros a chegarem à sede.

Isto acontece em qualquer Grupo Escoteiro. Mas são poucos em relação aos demais. Será que não estão vendo a saída de muitos anualmente? Será que não estão vendo que não há crescimento da patrulha para uma boa atividade escoteira? Será que as atividades aventureiras não estão mais servindo aos desejos dos chefes que se satisfazem com tudo sem notar que os demais não participam como deveriam?

Vejo em fotos diversas, de diversos amigos meus, mostrando acampamentos de Grupo, de Tropa, de Alcatéia,(para esta não discordo) todos juntos, com um número considerável de pais fazendo a intendência geral, as refeições, enfim atividades práticas de patrulha. Isto é escotismo? Pode até ser. Mas não estão sendo feitas nos padrões, que BP sempre personalizou e comentou em todos os seus escritos escoteiros.

Ali não vejo nunca um fogão à lenha, algumas vezes um fogareiro a gás, jovens descansando em cadeiras de praia, mesas de camping, nenhuma pioneirias de campo, se a foto se estende, aparece casas de veraneio, ou sítios bem montados. E olhe que em algumas tem lugares lindos, excelentes para um grande acampamento aventureiro.

Claro, não condeno, até pode dar certo uma vez ou outra. Mas lembro que isto não é acampamento, é uma atividade geral de camping. Acampamento é outra coisa.      

Bem meus amigos, podem até discordar, faz parte do jogo democrático. Mas se cada um de nós preocupássemos com a evasão dos jovens, descobrindo as causas dentro de seu próprio núcleo, acho que daríamos um passo enorme para o crescimento do nosso movimento escoteiro.

E todos nós sabemos que quanto mais jovens no movimento, fazendo um escotismo dentro dos padrões, mais teremos no futuro homens e mulheres na sociedade que dentro de suas limitações poderiam e muito ajudar ao escotismo, na sua plenitude conforme deve ser o pensamento de todos.

Se ainda tiverem alguma dúvida, três artigos meus aqui, mostram como deveria ser a condução da tropa, com sugestões, exemplos, enfim se resolverem seguir irão ter belas surpresas no futuro.

- O SISTEMA DE PATRULHAS
- A PATRULHA DE MONITORES
- VARIOS SOBRE ACAMPAMENTOS
Até outro dia,

1- Não sei porque, mas meu sentimento não evoluiu
2- Eu não senti o que esperava
3- O problema é comigo, não é com você
4- Eu curti no começo, mas depois o sentimento não foi o mesmo
5- O problema é que te vejo como amigo não como chefe
6- Sei lá, acho que nossos jeitos não se encaixaram
7- Nesse momento prefiro me dedicar mais ao trabalho que realizo
8- Não acho justo mudar meu sistema nesse momento

“Ser ou não ser, eis a questão”     Shakespeare