sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CONTOS E HISTÓRIAS ESCOTEIRAS


Daqui a alguns anos estará mais arrependido pelas coisas que não fez do que pelas que fez. Solte as amarras! Afaste-se do porto seguro! Agarre o vento em suas velas! Explore! Sonhe! Descubra!
(Mark Twain)
  
CONTOS E HISTÓRIAS

Quando os sonhos não se realizam
       
Acho que o nome dele era Matheus, não tenho certeza. Mas todos o chamavam de Miltinho, porque não sei. Nunca me disseram. Talvez porque seu avô era assim chamado e como ele tinha todo o jeito dele, nada como manter o apelido carinhoso.

Era filho único e com 12 anos já estava no quinto ano do fundamental. Estudava em um bom colégio pago e mesmo não sendo um estudioso por natureza, não tinha por que reclamar de suas notas. Não diferia muito dos jovens de sua idade. Gostava de futebol e sempre que podia, ia para a quadra do colégio bater uma bola com os amigos. Também não era um futuro craque.

Em seu bairro tinha alguns amigos, não muitos. A noite se encontrava com eles para um papo ou até uma brincadeira qualquer.

Seu pai trabalhava como gerente financeiro de uma cadeia de lojas e nunca chegava a casa antes das 9 da noite. Sua mãe, dona de casa era quem mais estava junto a ele no dia a dia. Nunca seu pai o levou para passear nos finais de semana e pouco interessava pela sua vida não perguntando nada quando se encontravam.

Um tarde de um sábado, vindo da quadra de futebol, viu três escoteiros vindos em sua direção. Já os tinha visto antes, mas não sabia como eram o que faziam e onde se encontravam. Passaram por ele conversando entre si e se foram, dobrando a esquina. Ele ficou ali meditando, meditando e pensou o que seria aquilo e como fazer para participar. 

Comentou com sua mãe sobre sua intenção. Ela não disse nem sim e nem não. Resolveu investigar por conta própria. Descobriu o local deles. Era um colégio a 8 quadras de sua casa. Foi lá em um sábado. Viu muitos meninos e meninas brincando, correndo e um chefe apitando. Não entendeu muito, mas pelo sorriso estampado no rosto de todos, achou que devia ser bom.

Ficou ali até alguém de uniforme aparecer perto dele e perguntou como era para participar. O encaminharam para a sala onde estava o que devia ser o chefão. Ele o olhou de alto a baixo. Perguntou por que queria ser escoteiro. Ele não soube responder, mas disse que queria experimentar.

Entregou para ele uma ficha de inscrição que devia ser preenchida pelo seu pai e sua mãe. Tudo bem. Ele levou a ficha e entregou a sua mãe. Com o pai achava difícil de falar, não se entendiam bem. Mas quando ele chegou à noite, sua mãe levou a ficha para ele assinar.

Assinou, riu e veio falar com ele. Parabéns disse agora você escolheu bem. No próximo sábado irei com você até lá para conversar com o responsável. Ele não acreditou e seu pai o levou até seu quarto (o dele) e tirou de dentro de uma mala antiga, um uniforme de escoteiro e o lenço e o presenteou. Era o seu quando jovem. Participara por 4 anos. Fora monitor e primeira classe. Mudaram de cidade, onde foram não havia grupos. Mas ele não tinha esquecido.

Sempre pensou em colocá-lo em um Grupo Escoteiro, mas não sabia onde e ele não tinha se manifestado a respeito. O tempo foi passando e ele se esqueceu de tudo. O trabalho o absorvia muito.

Foi um dia feliz. Foi para o seu quarto e colocou o uniforme na cama. Ficou ali a admirá-lo. Não se conteve. Vestiu a camisa, colocou a calça curta, devagar colocou os meiões. Olhando no espelho colocou o lenço. Ainda não sabia como colocar. Como gravata ou mais longe do pescoço. Viu que o uniforme era grande para ele. Não se importou. Achou que era o máximo.

Durante a semana, ele sonhava com o dia em que iria participara pela primeira vez. Logo que o dia amanheceu, acordou e foi até a janela. Sorriu para o sol e fez sua oração matinal agradecendo a Deus pela oportunidade.

Saiu de casa para conversar com um amigo e contar para ele a novidade. Ao atravessar a rua, foi pego por um carro a toda a velocidade, fugindo da policia que vinha logo atrás. Foi arremessado à grande distancia. Ficou inconsciente.

Levado ao hospital ficou em coma 2 meses. Saiu do coma, mas sem movimentos no corpo, ficara paraplégico.

Durante um bom tempo não lembrou mais de seus sonhos. Agora eram outros. Pensou que com o tempo seus movimentos voltariam, ele não desanimou e o tempo passou.

O fim da historia fica para outra oportunidade.


O Riacho de águas claras

Eram cinco na patrulha. Todas com menos de ano e meio no escotismo. Moravam em bairros diferentes e não se conheciam. Agora eram grandes amigas. Na patrulha descobriram afinidades e isto fortaleceu mais e mais a fraternidade existente entre elas.

Estudavam em colégios diferentes, só a sub-monitora estava na mesma classe que a mais nova da patrulha. Quase não se enturmavam com as outras amigas do bairro e do colégio. Viviam telefonando entre si, provocando inclusive dissabores quando do pagamento da conta telefônica. Só uma delas, a mais velha com 14 anos tinha um pseudo namorado. Digo pseudo porque quase nunca se encontravam.

Haviam acampados juntos por varias vezes. A tropa possuía três patrulhas. Só a delas com cinco. As demais tinham seis meninas cada uma.

No ano passado fizeram um acampamento precedido de uma jornada noturna. Foram até um tal córrego de águas claras e depois para o local de acampamento. Participaram as patrulhas escoteiras femininas e duas patrulhas de guias. Seis adultos ficaram na supervisão. Dois chefes escoteiros experimentados e quatro das chefes escoteiras, todas com muita experiência.

Acho que a experiência não deu muito certo. Entraram em uma mata de eucaliptos bem fechada. Um dos chefes disse que conhecia o caminho. O programa dizia para andarem por uns cinco quilômetros e iriam encontrar um pequeno riacho de águas claras. Ali pernoitariam e pela manhã, partiriam para o local do campo, onde varias viaturas de pais e colaboradores já haviam levado o material de campo.

A idéia era acampar após a jornada por mais 3 dias consecutivos. Andaram por um bom pedaço do caminho e nada do tal riacho de águas claras. Lá pelas três da manhã, a chefia desistiu. Procuraram um local onde pudessem pernoitar. Jogaram as lonas e cada uma se enroscou com a outra. Dormiram sob as estrelas. Poucos se viam delas devido à mata bem fechada.

Pela manhã, arrumaram o material e partiram. Nada do tal riacho. Ainda bem que tinham um pequeno lanche e se refestelaram dele, pois não sabiam quando iam almoçar. Somente lá pelas quatro da tarde chegaram ao tal riacho de águas claras. Foram descendo sua margem por alguns quilômetros e chegaram ao local de acampamento. Pais e Escotistas de cabelo em pé.

Esqueceram que ali tinha uma chefia a altura e não sendo iniciantes do movimento, levamos tudo numa bela brincadeira. Achamos que inclusive tudo tinha sido preparado pela chefia diziam.

Foi um lindo acampamento. Pena que uma patrulha teve que pedir ajuda as chefes para acender o fogo, pois o orvalho da manhã molhou a madeira que tinha sido separada para uso. Faltou experiência de cobri-la com um lona. Ficamos com pena da patrulha, pois era ponto de honra para todas que devíamos fazer tudo sem pedir nada os chefes.

Afinal já tínhamos aprendido esta arte antes. Em vários outros acampamentos.

Estávamos na sede, conversando sobre a atividade e soubemos que a paróquia onde estávamos locados o pároco queria de volta sua área (a sede), nos dando um prazo de 30 dias para desocupar. Foi é claro um Deus no acuda. O que fazer? – Vimos que os chefes se reuniam, houve reuniões dos diretores e o pároco se mantinha irredutível.

Nossa monitora deu a idéia de irmos a patrulha completa até o Bispo. Topamos mas não sabíamos como proceder. Falar ou não com a chefia. Não falamos, cometemos um erro, mas que mais tarde se mostrou um acerto.

No sábado partimos à tarde, hora que nos informaram que encontraríamos o Bispo. Lá chegando ele não estava. Resolvemos esperar. Era dia de reunião. Pensamos que iramos chegar atrasadas. Mas o bispo só chegou às cinco da tarde. A reunião se fora. Paciência. Depois explicaríamos as chefes.

Era um bispo bonachão. Sorria para todos nós. Contou-nos que tinha sido escoteiro quando jovem. Fez-nos perguntas e mais perguntas. O que sabíamos nossa técnica, adestramento, conhecimento e como era a patrulha. Pediu para darmos o grito e nos presenteou com a palma escoteira que se lembrava até hoje. Logo ficamos amigas dele. Só lá pelas 19 hs horas entramos no assunto. Ele disse que não nos preocupássemos. Iria tomar providencias.

Foi então que perguntou se também havíamos feito a excursão no córrego de águas claras. Sim dissemos. E se perderam? Sim respondemos. Ele riu a mais não poder. Não nos contou mais nada.

Voltamos para nossas casas. Na minha a família estava em polvorosa. Onde estava? O que aconteceu? – Expliquei tudo. Meus pais eram maravilhosos.

No sábado seguinte quando chegamos à sede, fomos recebidas por uma palma escoteira e o Grito do Grupo na hora do cerimonial. O Chefe do Grupo nos parabenizou. O pároco estava presente, sorridente e pediu desculpas a todos. Fora mal informado.

Até hoje não sei o que é e o que seria a historia do córrego de águas claras. O chefe não contou. As chefes também.

Vamos deixar a historia correr naturalmente para que outras patrulhas no futuro possam excursionar ao córrego de águas claras.



A Montanha do Pássaro Azul

Eram duas patrulhas seniores, foram 4 há alguns anos atrás. O Chefe Sênior ficou doente e o assistente não soube conduzir com maestria a tropa. Alguns desistiram. Outros continuaram. Eram aqueles que diziam que com chefe ou sem chefe a tropa anda. E andou mesmo.

O Chefe Sênior logo voltou às lides e tudo continuou como antes de sua saída. A patrulha Yawara tinha 5 seniores e a Anajé 6.
  
Há muitos anos a Tropa Tiriyó tinha como tradição, manter limpa uma pequena capela na Serra da Piteira, mais conhecida por eles como a Montanha do Pássaro Azul. Porque este nome não sabiam.  Num determinado dia do mês de agosto, aniversário da santa que dava nome a capela, uma multidão de devotos e romeiros e diversos padres subiam até lá e rezavam varias missas. Muitos dos devotos cumpriam promessa e estas muitas vezes levavam a pequenos acidentes. Mais tarde uma equipe do Corpo de Bombeiros colocou no local uma equipe para ajudar.

Aguardavam com saudade esta data. Para eles foi e sempre seria e uma grande atividade. Na quinta antes da partida, estavam todos na sede, preparando o material necessário. Sairiam à noite de sexta e voltariam no domingo. Sem barracas, pois dormiriam na própria capela. Pouca intendência e pouco material de sapa. Usariam a ração B, dois cafés, dois almoços e uma janta. Tudo acondicionado nas mochilas de cada um.

Gostavam da viagem. Encontravam-se na praça da estação, e pegavam o trem noturno das 19:30 hs. Uma delicia de viagem. Claro que de segunda classe. Poltronas de madeira, mas se divertiam muito. Passavam pela primeira cidade e após hora e meia ficavam na escada do trem para descer.

O trem não parava. Uns 400 metros antes do túnel o trem diminuía a marcha, pois não podia passar por ele a mais de 20 ou 30 por hora. Aproveitavam o embalo e desciam do trem em movimento. Eram peritos nisto. E como gostavam.
O maquinista já sabia e colaborava. Não podia haver erro. Após o túnel era descida e a locomotiva chegava a alcançar 60 por hora.

Ali, próximo ao túnel começava a subida. Primeiro atravessavam uma pequena mata e após esta uma subida muito íngreme que levava ao topo onde devagar iriam chegar à capela. Era uns 5 a 6 quilômetros. Gostavam desde caminho por ser mais aventureiro e pela viagem de trem. Muito capim “gordura” e em lá no alto só samambaias. Os devotos e os padres iam de ônibus ou condução própria pela estrada e a subida a pé, não era mais que dois quilômetros.

Após percorrem alguns quilômetros, o chefe deu ordens de parada e descansar por vinte minutos. Foi aí que aconteceu. Quem me contou foi um amigo do chefe sênior.

Ao sentar para descansar, um sênior colocou sua mochila em posição para servir de travesseiro, mas ela sumiu no meio do capim “gordura”, e isto o assustou. Não só ele como todos quando foi dado o alarme. Com facões começaram a capinar e descobriram um grande buraco que por ser noite não dava para saber a distancia do fundo.

Improvisou-se com um pequeno lampião a gás, amarrado a um sisal, e ele foi iluminando tudo. Era de estarrecer. Mais de 50 metros até o fundo. Claro, havia sempre uma pequena saliência a cada dez metros. Viram a mochila presa na segunda saliência.

Improvisaram com uma corda a descida de um sênior. Mas esta não dava para ir até a segunda saliência. O jeito foi descer mais dois seniores e amarraram na ponta da corda um sisal para puxar depois. Chegaram até a mochila e ficaram boquiaberto. Varias entradas de minas, pequenas cavernas, com trilhos e carroças de madeira, mas em estado de deterioração avançada.

Avisaram o chefe. Todos quiseram descer. Ele preparou um sisal duplo, passado em volta de uma pequena arvore para puxar a corda quando retornarem. Todos desceram. Levaram um rolo de sisal para eventualidades.

Iniciaram a exploração da mina. O sisal serviria para mostrar o caminho de volta. Não iriam muito longe. Pequenas estalactites já estavam sendo formadas. Nada descobriram e o chefe explicou que por ser uma região aurífera no passado, devia ter sido explorada ainda na época dos escravos, abandonada por que não existia mais ouro.

Eis que um sênior viu uma pequena pepita encravada na lateral do túnel. Escavaram com o facão e descobriram mais 5. Alegria geral. Os seniores estavam ficando ricos. Mais 8 pepitas e nada mais encontraram. Voltaram. O chefe guardou as pepitas. Iria avaliar com alguém que conhecesse ouro. Estava determinado que fosse usado para a reforma da sede e um material novo de intendência para as patrulhas. Seniores e Escoteiras.

Saíram do buraco e foram para o seu destino. Tudo transcorreu normalmente. Fizeram uma grande limpeza na capela. Deu trabalho. A água era retirada de uma pequena mina 500 metros abaixo. Melhoraram também a mina de água. Estava entupida de mato.

No domingo começaram a chegar os romeiros. Cantando, alegres e os padres os avistaram. Comprimentos e agradecimentos.  

Começaram a descida. Voltaram pelo caminho que levava a estrada. Mais curto. Lá pegaram um ônibus de carreira.

No dia seguinte dois seniores e o chefe foram até um ouríveres. Ele riu e disse que as pepitas não tinha valor. Por que, perguntaram. São chamadas de “engana trouxas”, colocadas em paredes de minas por exploradores profissionais e visitantes sempre acham que ficaram ricos.

É a reforma da sede ficou para outra ocasião. Mas valeu para aqueles seniores aquela e muitas outras atividades que marcaram a vida de todos. 
 A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento

Platão.